José Eduardo Bettencourt tem toda a razão: os sócios do Sporting não mereciam a humilhação de que foram alvo esta semana, levando cinco golos, um banho de futebol e até, no final, uma piscadela de olho condescendente da parte do FC Porto. Mas também não mereciam ter levado do Bayern de Munique duas cabazadas históricas cujos ecos percorreram a Europa. Não mereciam estar há sete anos (oito, com este) sem ganhar o campeonato. Não mereciam que se lhes tivesse dito durante todos esses anos que estavam ao nível dos adversários, quando na verdade não o estiveram nunca. Não mereciam uma série de outras coisas. E habituaram-se.
Saberá o senhor presidente o que é mais triste, no meio disto tudo? É que já nem sequer nos faz tanta diferença quanto isso. Custa ouvi-lo. Custa dizê-lo. Mas a verdade é esta: levar cinco do FC Porto ainda dói um bocadinho, mas já dói incomparavelmente menos do que doeu. E, inevitavelmente, um dia destes vai deixar de doer. Primeiro deixará de doer com o FC Porto, a seguir deixará de doer com o Benfica – e, então, não restará mais nada. No essencial, seremos aquilo que, entretanto, já se tornou claro que vamos ser em breve: um Vitória de Guimarães, um Belenenses, um Penafiel. Uma comédia, no fundo.
O Sporting, não me canso de dizê-lo, deu alguns sinais positivos ao longo dos últimos meses. Depois de ter mantido Paulo Bento, de ter recusado investir no plantel, de não se ter empenhado na contratação de um treinador de topo e de ter entregue o departamento de futebol a um (para dizer o mínimo) zaragateiro, foi à procura de jogadores, livrou-se do zaragateiro, regressou às vitórias e conseguiu acender uma pequena chama nos seus sócios e adeptos. Logo a seguir, porém, voltou a descarrilar: comprou Pongolle pelo dobro do dinheiro que podia ter pago por Ruben Micael, entregou o departamento de futebol às claques, deixou que a negligência voltasse a instalar-se em campo e acabou, enfim, humilhado no Dragão.
É um rude golpe para todos os sportinguistas – e um golpe mais duro ainda para aqueles que, como eu, se deixaram entusiasmar pelos sinais positivos emitidos algures no meio desta trapalhada toda. Aproveito, pois, para fazer um anúncio e deixar um aviso. O anúncio é este: ao contrário de outros colunistas, jornalistas e mesmo adeptos anónimos, eu não estou disponível para continuar a defender um projecto apenas porque a certa altura o defendi, ignorando os erros, a negligência e o autismo que os seus promotores entretanto decidam conceder-se a si próprios. E o aviso é este: o mais provável é que nenhum outro sócio ou adepto o esteja também.
Facto: o Sporting tem quatro meses para garantir a sua própria sobrevivência. Não são quatro meses para encontrar um caminho, para emendar a mão, para polir rugosidades. É a sobrevivência que aqui está em causa. O primeiro passo para a irrelevância absoluta está dado: não há, entre os nossos adversários, um só que nos respeite, quanto mais que nos tema. Daqui até não conseguirmos comprar um jogador, não conseguirmos vender uma época de direitos de televisão, não conseguirmos impingir uma camisola a um imigrante e não conseguirmos vencer um jogo que seja, vai um passo minúsculo. Depois não digam que ninguém avisou.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 5 de Fevereiro de 2010