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15 Janeiro 2010

Tenho no meu FaceBook um amigo especial. Não é um amigo, na verdade: é um grupo. Chama-se “Eu Vou-me Rir Tanto Se o Glorioso Benfica Deste Ano Não Ganhar Nada”, foi fundado por uma série de antibenfiquistas primários (que são os melhores) – e, naturalmente, aderi a ele assim que me chegou o convite. Não é segredo para ninguém: o meu futebol começa na rivalidade entre o Sporting e o Benfica, dá a volta ao mundo e termina nela outra vez. Sou de uma terra que oscila entre o verde e o vermelho e sou de um tempo em que subsistiam ainda os gloriosos ecos da gloriosa época do glorioso Eusébio, embora muito depressa o FC Porto tivesse começado a ganhar tudo. Foram muitos anos a levar pancada, no fundo – uma adolescência inteira de fracasso, dor e solidão. Mesmo hoje, o meu futebol é esse, haja ou não sociedades anónimas desportivas, haja ou não assembleias gerais de accionistas, haja ou não comunicações à CMVM. E, efectivamente, desde Maio ou Junho que o sentimento que me vinha tomando era: “Eu vou-me rir tanto se o glorioso Benfica deste ano não ganhar nada…”

Pois esse sentimento abandonou-me. Esse desejo de vingança, essa ansiedade de testemunhar o desastre, essa sede de ser eu próprio a accionar o alçapão – tudo isso me abandonou já. Uma espécie de hipnose colectiva tomou conta deste país. Há como que uma felicidade no ar: vizinhos desavindos reconciliam-se, casais decidem começar a fazer filhos, a própria economia parece preparar-se para respirar de novo. E eu fico preocupado. Às vezes, e estando na companhia de benfiquistas eufóricos, ainda tento pôr alguma água na fervura: “Não subam esse coqueiro todo, amigos. Olhem que é alto.” Dali a pouco, porém, eu próprio sou tomado por uma imensa paz: uma alegria quase juvenil, uma excitação fervilhante que é ainda, apesar de tudo, paz e harmonia. Está Freud às voltas dentro de mim, claro. Também eu tenho algo de benfiquista (o bem e o mal, já se sabe, convivem no homem). E eu próprio me vejo de repente a subir o coqueiro, a reconciliar-me com o meu senhorio, louco por fazer filhos, desvairado por pedir mais um empréstimo ao banco e comprar uma casa nova, um carro de luxo, um cruzeiro à volta do mundo.
De forma que não me mobiliza por aí além este pedido de Pinto da Costa para que o secretário de Estado do Desporto interceda junto das autoridades judiciais no sentido da criação de uma Operação Apito Encarnado. Na verdade, estou convencido de que toda esta trapalhada é involuntária. Tanto quanto percebo, os próprios homens do assobio foram tomados por esse estranho vírus da felicidade, para o qual não parece haver vacina. E assim vão eles connosco, e nós com eles: todos subindo esse coqueiro gigantesco, na ignorância de que lá em cima, apesar de tudo, sopra uma razoável brisa. Pelo que, para bem de todos nós, o melhor é mesmo que o Benfica efectivamente ganhe algo que se veja este ano. Porque de uma coisa eu tenho a certeza: ninguém se vai “rir tanto” se ele não ganhar. Este país ficará, de facto, irrespirável no dia em que a benficagem sair à rua celebrando a sua vitória. Mas é melhor não cutucar a serpente do mal. Antes um país irrespirável do que a malta toda apontando cacos de vidro aos pulsos, a ver se apanha a cauda do cometa. Então, sim, é que esta economia nunca mais recuperava.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 15 de Janeiro de 2010

publicado por JN às 14:38

caro Joel


Homem, você está a fraquejar. Espero que percam tudo sim, já fui o único Sportinguista numa escola primária no Alentejo dos anos 80. Quero que se lixem , que percam pois! Que se sintam muito humilhados .
Nada me dará mais alegria.
jorge espinha a 16 de Janeiro de 2010 às 15:23

se nada lhe dá mais alegria, nao pode ter uma vida muito rica
da a 29 de Março de 2010 às 04:02

caro da

era uma maneira de dizer.
Ora aqui vão alguns exemplos :
É pá estou podre de sono! (a pessoa não está literalmente em estado de putrefação)
Estou morto de cansaço( está a perceber a ideia?)
Estou todo f*****( o sujeito não foi alvo de múltiplas relações sexuais)

Já agora , pense lá um bocado, a vitória não fica mais saborosa sabendo que milhares de ressabiados como eu ficam todos lixados?
jorge espinha a 29 de Março de 2010 às 09:39

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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