Perguntam-me: “Mas achas mesmo que o Sporting está melhor, depois da troca de Paulo Bento por Carlos Carvalhal?” – e com aquele retórico “mesmo” esperam que a pergunta fique automaticamente respondida (de forma negativa, claro). Não fica. O Sporting está efectivamente melhor desde que Paulo Bento se demitiu, tenha ou não optado pela melhor alternativa para a sua substituição. Perdeu com o Leiria em casa? Pois perdeu. Perdeu com o Hertha em Berlim? Pois perdeu. Está a praticar um futebol medíocre, com um plantel medíocre e expectativas de classificação medíocres também? Pois está. Mas agora sabe que está a praticar um futebol medíocre, sabe que tem um plantel medíocre e sabe que o limite das suas aspirações classificativas é medíocre – e isso é muito mais do que eu esperava que uma figura da dimensão de Carlos Carvalhal pudesse fazer em um mês apenas.
Consciência – eis aquilo que ganhámos nas últimas semanas. Consciência, em primeiro lugar, de que valemos pouco. Consciência, em segundo lugar, de que precisamos de investir em meios para valer mais. E consciência, em terceiro lugar (e o que é o mais importante de tudo), de que jogar para o segundo lugar não chega. Paulo Bento, não me canso de dizê-lo, operou pequenos milagres. Mas, para ganhar um campeonato, o Sporting não precisava de pequenos milagres: precisava de um milagre dos grandes – e a posição em que nós temos de colocar-nos agora é numa que nos permita não precisar de milagre nenhum. Pois temos por esta altura à frente da equipa um homem que não só não é milagreiro, como já nos ajudou a perceber que os milagres nem sequer são coisa deste mundo. Quanto a mim, é um salto gigante.
Não há volta a dar-lhe: esta época é para queimar. Na melhor das hipóteses, chegaremos à Liga Europa, feito que já teria o seu mistério. De resto, o essencial, agora, e não sendo preciso bater mais no fundo (no fundo já nós estamos a bater há anos), é iniciar a preparação do plantel para uma época de 2010-2011 pelo menos condigna. Há anos que nos dizem: “É preciso dar um passo atrás para, então sim, darmos dois à frente.” Pois esta temporada é para cobrar o primeiro desses passos – e na seguinte cá estaremos, de dentes arreganhados, vozes tonitroantes e canetas afiadas, para reclamar o passo seguinte. De resto, não se pode pedir a Carvalhal que, em apenas um mês, convença uma série de madraços a quem há cinco anos diziam que o segundo lugar bastava de que é mesmo preciso vencer.
Mas pode pedir-se-lhe que exija mais trabalho, mais treino, mais profissionalismo. E uma das formas de fazê-lo talvez fosse a imposição de um regime laboral que obrigasse os jogadores a passarem pelo menos parte da tarde no emprego. O dia-a-dia de um jogador do Sporting, hoje, é assim: chegada à academia às 10.00, treino das 10.30 às 11:45, motor do bólide a ronronar às 12.00 – e aí vão eles jogar PlayStation. Há três ou quatro que, por necessidade de banhos e massagens, ficam mais meia hora. No limite, há ainda dois ou três que, devido a lesão, almoçam na academia e vão para o ginásio à tarde. Mas é tudo. E eu, sinceramente, acho que isto é refastelo a mais. Independentemente de ser uma tolice aquela ideia de Luís Filipe Vieira de pôr os jogadores a saírem do trabalho às 19.00 (de resto, nunca consumada), no Benfica – como, aliás, no Porto – trabalha-se mais. E, provavelmente, chegou a hora de acabar com a boa vida desta gente.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 18 de Dezembro de 2009