Leio sobre os planos de Carvalhal para a reestruturação da equipa do Sporting e acho que continua a faltar o essencial. Para suplantar este ciclo, o Sporting precisa de extirpar de vez o que em Alvalade ainda reste de Paulo Bento. E o que em Alvalade ainda resta de Paulo Bento, mais do que qualquer outra coisa, é João Moutinho. Surpreendidos? Pois é essa a minha convicção: o Sporting precisar de vender Moutinho, mesmo que por menos dinheiro do que um dia ofereceram (se é que ofereceram) por ele. Nascido nas escolas do clube e nunca colocado perante qualquer desafio a sério, o nosso mui amado capitão virou, dentro do balneário, um símbolo do conformismo que marcou estes penosos quatro anos em que ficar em segundo era tão bom como ser campeão. Ainda pode ser um grande jogador, sim. Mas neste momento não é – e, sendo capitão, tem uma má influência sobre os restantes. Para nós, como para ele, o ideal seria uma transferência. Já no Inverno.
De resto, talvez me tenha enganado sobre o treinador. Apesar dos escassos oito meses de contrato com que foi cinicamente brindado, Carvalhal está, para já (repito: para já) a fazer quase tudo bem. Depois da lição de comunicação que deu a Paulo Bento, puxando pelas hostes e dando pequenos sinais de insubmissão para com o miserabilismo directivo, chega a hora da lição de futebol. E a lição de futebol não começa naquele jogo de Setúbal (que não foi tão mau como isso, que não foi tão mau como isso). A lição de futebol começa na própria elaboração do plantel. E o plantel do Sporting, requerendo reforços, requer antes uma drástica limpeza de balneário. Pois aí está a primeira medida: a dispensa de Angulo, que só quatro cabecinhas como as de Paulo Bento, Pedro Barbosa, Miguel Ribeiro Teles e José Eduardo Bettencourt podiam ter engendrado como “reforço”. A acreditar nos jornais, aliás, as próximas saídas seguem dentro de momentos: André Marques, Saleiro, Caicedo – pelo menos metade dos jogadores que todos sabíamos não terem as mínimas condições para jogar no Belenenses, quanto mais no Sporting.
No mais, não, não está tudo bem. Mas estes são, aparentemente, tempos de mudança mesmo. Mesmo José Eduardo Bettencourt, que até à contratação de Carvalhal apenas revelara talento no manejo da maraca, aprendeu a (resistamos à tentação do trocadilho óbvio do “fechar a matraca”) calar a boca. Mais: de Salema Garção, não se sabe o que seja – e de Sá Pinto, o mais que se conhece são aqueles saltinhos no banco. Basicamente, parece tudo centrado no treinador, que é em quem as coisas verdadeiramente devem estar centradas. E, para isso, nem sequer foi preciso ir buscar o novo Mourinho. Aliás, de novos Mourinhos, diga-se, vai ficando o inferno cheio. Vilas Boas levou um tareião na Luz – e o melhor que soube argumentar foi que, no seu douto entendimento, 4-0 não configura uma goleada. Paulo Duarte era um ídolo em França, um fenómeno verdadeiramente dos demónios – e acabou por ser “só” o primeiro treinador a ser despedido no campeonato de 2009-2010.
Definitivamente, os mitos vão ruindo, um a um. E eu gostava que o próximo fosse João Moutinho. Até para que ele possa provar que efectivamente merece um. Ficando no Sporting, já não passa disto.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 11 de Dezembro de 2009