A história de Mexer dificilmente faz lembrar a de Eusébio, mas ao menos faz lembrar a de Ali Hassan – e, ao fazê-lo, como que coloca os sportinguistas novamente em lua de mel com o futebol e o Sporting. “Lua de mel” é exagero: nós vimos o jogo com o Benfica, percebemos o que pode dar esta equipa e não cultivamos grandes expectativas quando ao futuro imediato. E, porém, ao declarar tão inequivocamente que preferia jogar no Sporting, apesar do convite do Benfica, Mexer fez mais por nós do que dois terços dos treinadores e três quartos dos dirigentes que passaram por Alvalade nos últimos anos. Afinal, ainda resta alguma magia a este clube. E, se para encontrá-la foi preciso regressar momentaneamente ao nosso passado colonial, incluindo esses tempos gloriosos em que o futebol português não era apenas um dos bons campeonatos da Europa, mas o mais importante campeonato do mundo para uma série de povos africanos, pois está tudo bem na mesma.
De resto, Rabiu vai ter uma oportunidade no plantel principal, mas não é descaradamente intitulado de “reforço”, ao contrário do que aconteceu com André Marques ou Saleiro. Izmailov, que prometera abandonar o Sporting no dia em que Paulo Bento saísse, parece afinal feliz com o seu regresso aos relvados. Stoijkovic, que é seguramente um louco mas tem potencial para ser o nosso principal (e melhor) guarda-redes, parece agora provido da humildade suficiente para justificar a presença no plantel. E, sobretudo, começam a desfilar nomes na imprensa. Mexer, Nelson, Quaresma, Danny, Bajrami. Ora, eu acho que, por esta altura, o mínimo que se pode fazer por esta deprimida massa associativa é isso: pôr nomes a desfilar na imprensa. Não vêm todos? Claro que não vêm todos. Há uma certa irresponsabilidade em deixar que os nomes de todos sejam conhecidos? Tudo bem: há. Mas há também, pelo menos, uma preocupação em encontrá-los – e se, no limite, o objectivo é populista, pois paciência. Enganem-nos, que nós gostamos. Mais do que isso: enganem-nos, que nós precisamos. Nesta altura, precisamos.
O ânimo pode ser artificial, mas precisa de ser urgentemente recuperado – e, ao terem-no em atenção, José Eduardo Bettencourt e os seus pares (quem são os pares de Bettencourt, afinal?) demonstram ter aprendido a lição número um. Até aqui, o Sporting era como o Governo Sócrates: liberal quando lhe dava jeito e socialista quando lhe convinha – mas sempre, sempre contrário aos interesses imediatos do povo. Talvez isso seja positivo para um Governo: pensar no futuro, ver mais do que um palmo à frente do nariz. No Sporting de hoje, seria uma tragédia: nós estamos fartinhos de futuro e da conversa do futuro. O Sporting precisa de presente. E não é só o Sporting que precisa de presente: é o próprio Bettencourt – e é, mais até do que ele, toda esta ordem de dirigentes instalada no clube desde 1995, quando um golpe palaciano afastou Sousa Cintra e fundou o regime da cooptação e demais sucessões dinásticas.
Muito claramente: o que está em jogo daqui até ao final da época, nestes pouco mais de seis meses que são os mais importantes da vida deste clube, não é apenas Bettencourt: são 15 anos de história e é o próprio modelo de empresarialização do clube. Ganhámos dois campeonatos, sim. Mas voltámos ao que éramos antes – e o Sporting que hoje temos não é melhor nem pior do que o daqueles 18 anos de deserto absoluto: é igualzinho (mas com menos esperança).
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 4 de Dezembro de 2009