Não vale a pena escamoteá-lo: o Sporting vive uma situação transitória, de que não se deve pedir grande brilho. Consciente das expectativas dos associados (e, de resto, da fragilidade da sua própria posição, apesar de tão pouco tempo de presidência), José Eduardo Bettencourt chegou a pensar corresponder à necessidade de mudanças radicais. Tentou contratar André Villas-Boas, tentou contratar Luis Aragonês e acabou por contratar Carlos Carvalhal, a quem fez um contrato de sete meses e pôs a trabalhar sem apresentação nem nada. Não espera muito dele, no fundo – e o melhor que podemos desejar é que Carvalhal o surpreenda (a ele e a nós).
Mas há uma melodia neste processo que assusta. Ao tentar primeiro André Villas-Boas, um jovem de 32 anos e sem currículo, e logo a seguir Luis Aragonês, um idoso de 71 anos e campeão europeu de selecções, José Eduardo Bettencourt mostra claramente a atarantação que se vive em Alvalade. No essencial, e por muitas que fossem as esperanças no potencial de Villas-Boas para vir a transformar-se no “próximo José Mourinho”, não havia um perfil definido para o cargo de treinador. E isso não é grave: é gravíssimo. Porque, ao contrário do que há muito se pensa no Sporting, o treinador continua a ser a figura mais importante de um clube de futebol.
O treinador é juiz e é advogado, é carrasco e é coveiro ao mesmo tempo. Argumenta acima, exigindo mais meios, e argumenta abaixo, exigindo mais suor. Argumenta para fora, exigindo mais respeito, e argumenta para dentro, exigindo mais cooperação na luta contra quem está acima, contra quem está abaixo e contra quem está de fora – tudo entropias, tudo gente ignorante sobre a importância do momento em causa, tudo a meter poeira na engrenagem. O treinador é um general, é um psicólogo, é um maestro, é um líder sindical, é um pai. E qualquer projecto para a ressuscitação do Sporting (a escolha da palavra não é aleatória: o Sporting está em paragem cardio-respiratória e precisa de um desfibrilhador) passa pela escolha do treinador para 2010-2011.
O que não pode acontecer – não pode acontecer – é tentarmos contratar o treinador do último classificado da Liga portuguesa, na consciência de que se trata de uma pérola que no clube certo podia mudar tudo, e ficarmos 700 mil euros aquém do exigido. O que não pode acontecer – não pode acontecer – é tentarmos contratar um treinador de 71 anos, assumidamente interessado em regressar depressa ao trabalho (e, de resto, já habituado a trabalhar em clubes estrangeiros periféricos, depois da experiência no Fenerbahçe) e, aparentemente, o senhor nem sequer equacionar a disponibilidade (ainda por cima tratando-se de um clube sediado a cinco horas de carro de Madrid, sua cidade natal e de residência).
Temos motivos para celebrar a demissão de Paulo Bento e a tomada de consciência de que nem toda a gente, neste clube, está conformada com a inevitabilidade da “belenensização” (a escolha da palavra, mais uma vez, não é aleatória: “belenensização” pode ser termo antigo, mas faz mais sentido hoje do que nunca). A maior parte dos desafios, porém, ainda está à nossa frente – e, de resto, concentra-se no curto período de alguns meses. Eu diria que este é o meio ano mais importante da história deste clube. Mal gerido, pode simplesmente não sobrar mais nada.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 20 de Novembro de 2009