Decididamente, é preciso falar de outra coisa. Olha: do tempo, por exemplo. Já me viram esta chatice? Então um tipo tem Verão até ao Pão Por Deus – e de repente, comidos os rebuçados, desaba este briol que não se pode? Não está certo. Não haver Verão de São Martinho, ainda por cima em ano de crise, só pode significar que também não há Deus. Razão tinha o Saramago.
Podíamos falar de futebol, claro. De associativismo. De paixão. De triunfo. Por acaso até me ocorrem algumas coisas para dizer. Mas não estou para voltar a ser acusado de terrorista. E, como diz o senhor professor Moniz Pereira, quem está mal que se mude: o Sporting é assim, vai continuar assim – e não serão os palpites dos sócios e dos adeptos, esses tipos sem importância, a influenciar o curso das coisas.
Como é que as coisas se vão passar a partir daqui? Eu explico. O Sporting vai empatar em Vila do Conde, mas, como conseguiu esta loucura de ter-se quase-qualificado na Liga Europa (ainda por cima depois de o treinador do Ventspills lhe ter chamado “uma equipa da Liga dos Campeões”, ó glória suprema), Paulo Bento tem balão de oxigénio interno para mais duas ou três semanas.
Depois há Pescadores da Costa da Caparica para a Taça. Ganhamos por um esmagador 3-0. Saleiro marca dois – e aí está novo balão de oxigénio: formação é connosco, consta até que o Blackburn Rovers já está atento ao miúdo. A seguir só volta a haver campeonato dia 29. Jogo com o Benfica, em Alvalade: empate 0-0. Afinal, eles não são tão fortes quanto isso – e nós não estamos assim tão mal, pois não?
Pois temos Paulo Bento até Dezembro. E depois Janeiro. E depois Fevereiro – e assim sucessivamente. Culpa dele? Não. Coitado: Paulo Bento já é tão vítima disto tudo quanto nós. Se alguém precisa de que o libertem do seu próprio penar, esse alguém é Paulo Bento – e nem isso José Eduardo Bettencourt faz. Pois contestá-lo para quê, se ele está só a cumprir o seu programa eleitoral?
Aliás, ainda no outro dia recebi um repto de uma série de consócios pedindo-me para subscrever uma moção para a contratação de Manuel Fernandes como novo treinador. E, por muito respeito que tenha por Manuel Fernandes (que é um excelente homem e um profissional dedicadíssimo), só posso achar que enlouquecemos todos – todos de uma vez. Não merecemos melhor.
Mais vale mudar de assunto, pois. Está visto que nada se altera. Nem estando a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas (a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas, meu Deus!) se altera o que quer que seja. Se alguém balbuciar: “Mas… mas… mas… nós estamos a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas…” é porque é terrorista – e pronto.
Aliás: se Liedson voltar a dizer que “os adeptos têm toda a razão”, até porque os jogadores do Sporting estão a jogar tudo “aquilo que sabem”, pois é terrorista também. E, se alguém ousar dizer que o Sporting só não perdeu com o Ventspills (é assim que se diz, “Ventspills”?) em casa porque foi milagrosamente favorecido pela arbitragem, nem sequer é apenas um terrorista: é Bin Laden em pessoa.
Portanto, falemos do tempo. Ou da crise. Ou da gripe. Isto da gripe é o diabo, não é?
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 6 de Novembro de 2009