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18 Setembro 2009

1. E, pronto, ali estava eu, à porta da mercearia do Roberto, bebendo uma última cerveja com os homens da minha freguesia e testando argumentos para, em sede de crónica (esta, mais precisamente) desmontar aquilo que, apesar da euforia generalizada, me parecia apenas uma vitória absolutamente obrigatória. Experimentava eu: “Por outro lado, é preciso reconhecer que este Herenveen não existe. Parece o Vitória de Setúbal dos tempos do Carlos Azenha. A defesa é manteiguinha, manteiguinha…” E virava-se o Rufino: “Homem, está bem, mas ganhámos!” Voltava eu: “Vale-nos o Liedson. De resto, temos o quê? O guarda-redes dava um belo suplente. Os laterais não existem. Os segundos avançados nem para o Belenenses serviam…” E vinha o Jorge: “Mas, olha, ganhámos, foi bem bom!” Insistia eu: “Ainda por cima, a SAD obriga-nos a poupar nos tostõezinhos todos, mas depois apresenta este Relatório e Contas tristíssimo, que agora, ainda por cima, quer disfarçar com mais uma engenharia financeira? Comigo não, violão…” E atacava o Chico: “Pela tua saúde, Joel. Ganhámos!” Até que o meu pai, no meio da folia e igualmente eufórico, balbuciou a pergunta sacramental: “Como é que se chamava esta equipa mesmo? Era holandesa, não era?” E eu considerei que estava encontrado o argumento – e que, ao mesmo tempo, num simples parágrafo se resolvia a coisa. Este parágrafo.

 

2. A questão é que, entretanto, ainda me sobra algum espaço – e, portanto, mais vale usá-lo, que quando é ao contrário bastante me custa (e, de resto, o JN paga-me para isto). E, então, cai aqui que nem ginjas a carta que recebi por estes dias de um leitor um tanto zangado com a minha sátira da semana passada ao nono lugar do Benfica entre os maiores clubes europeus do século XX. O leitor era anónimo, mas auto-intitulava-se “Benfiquista” (e, como usou a maiúscula, deduzo que seja pelo menos alcunha). Diz portanto o sr. Benfiquista, todo arrogante, que a classificação da IFFHS faz todo o sentido e que, na verdade, não deviam chocar-me os factos de o Manchester United estar atrás do Benfica e o Anderlecht à frente do Manchester. Depois, e como se não bastasse, prova-o com dados concretos: o Anderlecht tem uma série de proezas internacionais e o Manchester chegou a estar na segunda divisão nos anos 30 e 70. E eu fiquei indignadíssimo com a demagogia. Quer dizer: então, mas nós agora, para falarmos de futebol, vamos ter de usar argumentos racionais? Então, mas nós agora, para falarmos de futebol, vamos ter de usar factos verificáveis? Qualquer dia estamos a usar a verdade, não? Por exemplo: a dizer que o Benfica está mais forte do que nós em tudo: no treinador, nos jogadores, na direcção desportiva, no orçamento…? Ou, já agora, a assumir que estamos peladinhos de medo de apanhá-los pela frente? Pois desengane-se, amigo Benfiquista: daqui não leva nada. Perceba uma coisa: a primeira metade da nossa época está resolvida (nós não ganhamos o campeonato), pelo que agora só falta resolver a outra (vocês também não ganharem). E não vai haver argumentos racionais nem factos verificáveis que se metam no caminho do nosso projecto. Pelo menos até Maio.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 18 de Setembro de 2009

publicado por JN às 14:33

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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