O Vitória de Setúbal foi vítima de uma das maiores humilhações do futebol português nas últimas duas décadas – e, em parte, a culpa é de Carlos Azenha. Posto perante a escassez de recursos do clube, Azenha decidiu fazer de Paulo Bento: baixou a cabeça, salvaguardou o seu próprio emprego e pôs-se a avaliar jogadores baratinhos. Mais de 60 deles, entre portugueses e estrangeiros – mas, sobretudo, quase todos jovens à procura do primeiro contrato ou gente desempregada disposta a jogar pelo mínimo indispensável.
Correu mal, claro. Levar 8-1, mesmo do Benfica, é uma pequena tragédia. Levar 8-1 como o Vitória levou é uma catástrofe de proporções bíblicas. Para nós, inimigos figadais do campeão antecipado, é chato: lá temos de ficar mais três semanas (ainda por cima há paragem do campeonato, caramba) a ver o adversário celebrar mais um título ganho em Setembro. Para os adeptos vitorianos, porém, é muito pior. O Vitória não só foi goleado como nem por um momento teve hipóteses de sair daquele jogo de outra maneira que não goleado.
E eu acho que isso se deve àquilo que eu gostava de baptizar aqui, hoje e perante toda esta audiência, de “Sindroma Paulo Bento”. Anos e anos de discurso miserabilista começam, enfim, a fazer escola. Hoje em dia, pega-se num diário desportivo e aí estão eles, os clones de Paulo Bento: “Somos pobrezinhos”, “Temos de apostar mais na formação”, “É fundamental os sócios perceberem que o clube não tem condições financeiras”, “O futebol é um negócio falido e nós não somos excepção”... É assim no Alentejo e em Trás-Os-Montes. É assim em Fornos de Algodres, em Freixo de Espada à Cinta e em Cromeleque dos Almendres.
É assim e não devia ser. Porque a tarefa de um treinador não é mimetizar o discurso da direcção do clube. Para conter custos, sim: estão lá o presidente e os vice-presidentes, o director desportivo e os outros directores todos. Treinador é outra coisa. Treinador é desejo. Treinador é ousadia. Treinador é risco. E, portanto, treinador é exigência. Exigência para baixo e exigência para cima. Exigência aos jogadores, obrigados a darem o melhor de si em cada momento. E exigência aos dirigentes, instados a dotarem a equipa de futebol de todos os recursos de que for humanamente possível dotá-los.
Só há uma maneira de isto funcionar: é em tensão. Ora, Carlos Azenha percebeu-o a tempo: chegou aos últimos dias de Agosto, conferiu que o Vitória não tinha hipótese nenhuma de manter-se na Liga Sagres e deu um murro na mesa. Em dois ou três dias, recebeu quatro jogadores. Paulo Bento, pelo contrário, não percebeu nada: chegou aos últimos dias de Agosto, confirmou que o Sporting não tinha hipóteses nenhumas de ser campeão e não pediu outra coisa senão um jogador para o lugar de Izmailov (e abdicando de Rochemback, naturalmente).
O resultado é simples: o Vitória talvez se safe; o Sporting, infelizmente, não será nunca campeão. Afinal, Paulo Bento só há um. Talvez não chegue para patentear um verdadeiro sindroma. Mas, de qualquer maneira, não me parece que ele já tenha desistido de espalhar o vírus.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 4 de Setembro de 2009