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15 Outubro 2010

Numa coisa estou de acordo com José Eduardo Bettencourt: não vale a pena os sportinguistas tentarem dar-lhe lições sobre como lidar seja com quem (ou com o que) for, até porque não há lição que ele adopte. Quanto ao resto, devo dizer que não me revejo na sua estranha frase “Temos de acabar com a cultura de nos comermos uns aos outros”. Nem naquela outra de Bessone Bastos, igualmente proferida ao longo da assembleia geral de quarta-feira: “O Sporting é um clube democrático.” Nem, aliás, naquela outra ainda da nossa consócia nº 6, Maria de Lourdes Borges de Castro: “Em 87 anos de sócia, nunca tinha visto gente tão mal-educada. Assusta-me o estado em que está a nossa juventude.”

Também a mim me assusta o estado em que está a nossa juventude. De outra coisa não tenho falado, por exemplo, nas minhas crónicas na revista NS’, que aos sábados acompanha este jornal. “Nunca” ter visto “gente tão mal-educada” já é diferente: é não ter estado minimamente atento ao que há uma série de anos se passa nos estádios e nos centros de estágio, nos debates de televisão e à porta das salas onde acontecem reuniões das direcções do Sporting, do Benfica, do FC Porto, do Belenenses, da Académica e de qualquer outro clube português com suficientes ambições para ter claques, facções e disputas seja de que natureza for.

Agora, uma coisa é a malta andar à porrada por nada. Outra é, numa AG do Sporting do século XXI, haver sopapo. E, quanto a isso, só tenho três observações a fazer. A primeira é que umas bofetadas entre os sportinguistas até podem, bem vistas as coisas, vir a verificar-se profilácticas. A segunda é que, tendo em conta a situação, era de esperar que isto já tivesse acontecido há mais tempo. E a terceira é que, perante tão clara ausência  de outra saída, mais vale não afastar em definitivamente a possibilidade de, mais dia, menos dia, tornarmos a usar o recurso. Contra mim falo: há anos que ando a alertar, debalde, para o verdadeiro desastre que vem desabando sobre o clube – por escrito é que não se resolve nada, de certeza absoluta.

Sabem qual é o verdadeiro problema disto tudo? É que, apesar da comoção de anteontem, aquilo que Costinha registou foi o elogio de Vítor Espadinha, mais ou menos irónico (mas, para o director desportivo, honesto e justíssimo): “[Costinha] Parece um modelo da Fátima Lopes.” Quanto a Bettencourt, já se sabe: nem isso registou. Basicamente, e como de costume, o nosso presidente não registou nada. Este clube é uma depressão com pernas.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").

Jornal de Notícias, 15 de Outubro de 2010

(imagem: © www.4.bp.blogspot.com)


08 Outubro 2010

Não sei quem conseguiu convencer os jornalistas a publicarem notícias como aquelas ontem li na imprensa deste e do outro lado do Atlântico. Não sei, não quero saber – e, aliás, peço encarecidamente que ninguém mo diga, porque já estou desencantado que chegue com a minha classe. Sei que notícias sobre o suposto interesse de vários clubes brasileiros (Fluminense, Flamengo e Corinthians, para citar apenas alguns exemplos) na contratação de Liedson dá pessoalmente jeito a toda a gente a quem não interessa que dê: a José Eduardo Bettencourt, que coloca mais um jogador no mercado, angustiado que deve andar com a urgência de recuperar pelo menos algum do dinheiro investido em apostas tão ridículas como Sinama Pongolle (€ 6,5 milhões, tanto quanto me lembro); a Costinha, que assim se vê abrir a hipótese de esvaziar ainda mais a pouca massa crítica que resta ao Sporting, de forma a poder exercer livremente a sua inacreditável e medíocre ditadurazinha; e mesmo a Jorge Mendes, que desta forma pode começar a planear colocar mais um ou dois pernas-de-pau no plantel de Paulo Sérgio, independentemente da comprovada incompetência de quase todos os jogadores que já lá meteu.

E sei que, se o Sporting se desfizer agora de Liedson, por dois, por cinco, por dez ou mesmo por vinte milhões de euros, me penduro num mastro de Alvalade aos gritos, a ver se a CNN, a CMVM, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o próprio Deus Pai abrem os olhos para o que de absurdo e de criminoso tem sido feito neste clube que movia o coração de dois ou três milhões de portugueses agora órfãos de dessa injecção de adrenalina e de camaradagem e de entretenimento que era o futebol (e, para eles em particular, o Sporting). Liedson é o único verdadeiro grande jogador de futebol que passou pelo Sporting desde a vitória no último campeonato, em 2002. Pelo contrário, estes senhores que agora dirigem o clube (e, aliás, os senhores que o geriam antes dele), não têm feito outra coisa senão despojá-lo de tudo aquilo em que lhe restava um mínimo de vitalidade. Quando hoje olho para José Eduardo Bettencourt, já não me surpreende apenas que tenha chegado a presidente do Sporting: surpreende-me mesmo que tenha chegado a administrador de um banco (embora isso possa ajudar-nos a perceber as preocupações que a nossa economia vai provocando em toda a gente menos em nós próprios). O Sporting como o conhecíamos já acabou há muito. E, por este andar, nem Sporting como o conhecíamos, nem novo Sporting de todo: não restará Sporting nenhum. Tenham vergonha, por favor. Liedson no mercado, não. É de mais.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").

Jornal de Notícias, 8 de Outubro de 2010

(imagem: © www.4.bp.blogspot.com)


01 Outubro 2010
www.record.xl.pt

A entrevista de Costinha ao Jornal do Sporting, que esta semana marcou a actualidade leonina, é apenas mais um sinal do amadorismo que por esta altura grassa em Alvalade. Como provam os podcasts distribuídos entretanto aos restantes órgãos de comunicação social, Costinha está a ler um papel. Eu percebo-o, claro: os jornalistas deturpam muito o que os homens do futebol dizem – e não é por serem do Jornal do Sporting que estes jornalistas são mais de confiar do que os outros. Mais vale, portanto, deixar tudo bem escritinho. E, então, Costinha lê. E lê mal. E disfarça ainda pior.

Não tenho cada contra, por exemplo, as entrevistas por email. Pessoas com dificuldades de expressão, como é o caso de Costinha, podem muito bem defender-se através desse meio e, mesmo assim, responderem às questões importantes a contento próprio e do leitor. Mas é preciso que os jornalistas o assumam: “Esta entrevista foi feita por email”. Ou ainda: “Mandámos as perguntas antes e o entrevistado respondeu a ler num papelinho.” Fingir já é outra coisa. E, que diabo: num dos podcasts em causa, de resto transmitido pelo Bola Branca da Rádio Renascença (e não só, parece-me), há mesmo um excerto em que até parece que se ouve uma folhinha A4 a virar.

Vive-se em Alvalade, cada vez tenho menos dúvidas disso, uma espécie de transe colectivo – uma euforia mais próxima da folie a deux (ou a plusieurs) do que de qualquer outra coisa. A última é esta proibição do uso de calças de ganga pelos funcionários e colaboradores do clube, supõe-se que jogadores incluídos. Felizmente para os brasileiros e para a sua paixão pelas havaianas, os calções e os chinelos são apenas “desaconselhados”. Calças de ganga é que não. Vão contra os valores do Sporting. E, quando na tribuna, toda a gente deve usar blazer. De novo, os chinelos são desaconselhados, mas não proibidos. Aliás, há uns chinelos da Boss que ficam a matar com um blazer azulão – se for esse o caso, então a coisa passa.

Pois eu proponho que nos inspiremos todos, sportinguistas em geral, na indumentária de Costinha. Vamos a Itália com uma pipa de massa e compramos uns fatos aos quadrados, tipo Teté Ricou – e depois, para dar um toque de verdadeira classe à toilette, calçamos uns sapatos de biqueira bem quadrada e pomos uns óculos de surfista na cabeça. Por favor, sportinguistas: ajudem-nos a recuperar os valores do clube. Ajudem-nos a mudar estas mentalidades. O Sporting está há demasiados anos a descarrilar a nível de mentalidades – e, se querem mesmo a minha opinião, foram as calças de ganga que deram cabo desta gaita toda.

Pobre Paulo Sérgio…

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").

Jornal de Notícias, 1 de Outubro de 2010

(imagem: © www.record.xl.pt)


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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"O Terceiro Servo",
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"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
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"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
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"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicaçõets Dom Quixote,
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"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
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