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24 Setembro 2010

Leio no Record a incrível notícia de que o Sporting lidera as estatísticas nacionais em “passes (2.346), passes certos (1.876) e bolas jogadas (2.999)”. Chamo-lhe incrível pela razão mais simples de todas: parece-me incrível que alguém se dê ao trabalho de coligir tais informações. O meu futebol, já se sabe, não é esse.

A estatística que a mim me importa é só uma (e, aliás, vem na mais básica das classificações): o Sporting tem sete pontos em 15 possíveis. Depois, há umas quantas estatísticas menores que, não me importando por aí além, me preocupam (e que também vêm nas classificações, embora já não nas mais básicas). Uma diz que o Sporting tem apenas duas vitórias. A outra que o Sporting tem só quatro golos.

É claro que estes números escondem a prestação na Liga Europa, de onde  temos recebido boas surpresas. Mas eu próprio sempre o disse: o que me interessa é o campeonato. Dessem-me uma vitória na Liga dos Campeões, e pronto: ficava contentinho. Dessem-me um lugar de finalista na Liga dos Campeões e as vitórias na Taça de Portugal, na Taça da Liga, na Supertaça Cândido de Oliveira, no Torneio do Guadiana e no Quadrangular de Sobral de Monte Agraço – dessem-me tudo isso junto e eu trocava-o de imediato por um campeonato.

Este ano o Sporting não vai ganhar o campeonato – e isso é uma tragédia.  Por outro lado, já estávamos mais do que preparados para isso, o que, tendo o seu mistério, não deixa de ser uma vaga consolação.  De forma que, ao arrepio de todos os princípios, me concentro agora nos valores. E, aliás, num em particular: o da descoberta de um caminho “em direcção” às vitórias no campeonato. Pois é nesse sentido que as estatísticas lá de cima deixam de ser incríveis (e que, mais do que incrível, passa a ser abençoado o trabalho daqueles que se dão ao tresloucado trabalho de as reunir).

Afinal, o Sporting tem um bom meio-campo. Ora, nós já sabíamos que tinha uma defesa razoável também. Falta-nos o quê, pois? O ataque. Nenhuma novidade: Paulo Sérgio já nos havia avisado para isso. Mas, de novo, não deixa de ser difícil de perceber três coisas. A primeira é que o treinador não tenha insistido no tal “pinheiro”. A segunda é que Costinha e Bettencourt se tenham achado no direito de desvalorizar o pedido. E a terceira é que não tenham jogado contra o Benfica mais daqueles jogadores que tão bem jogaram em Lille.

Vou repeti-lo: Paulo Bento fracassou no Sporting porque não bateu o pé aos dirigentes e, depois, ainda foi casmurro na relação com o plantel, gestão do onze incluída. É isso que Paulo Sérgio quer para a sua vida?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 24 de Setembro de 2010


17 Setembro 2010

1. À hora a que escrevo, passaram-se já mais de 75 minutos sobre o jogo de Lille – e, um tanto surpreendentemente, ainda não ouvi Diogo Salomão dizer que quer “dar o salto”, que a sua grande ambição é “jogar em Espanha ou em Inglaterra” ou que tem “o sonho de trabalhar um dia com José Mourinho”. Também é verdade que apenas li transcrições de excertos das suas declarações, mas em todo o caso (e acreditando na presença de espírito dos jornalistas presentes em França), quero acreditar que efectivamente não o tenha dito. Pois só isso já será novidade em relação aos seus predecessores no papel de próxima-grande-coisa sportinguista.

Ouço frequentemente dizer que Diogo Salomão poderá ser “o novo Nani”. Não sei: ainda só o vi jogar duas vezes (embora ambas bem) – e este jogo em particular, é preciso reconhecê-lo, era especialmente apropriado a um jogador com as suas características. Em todo o caso, dispenso “novos Nanis” (a não ser pelo rendimento de vinte milhões de euros que um novo Nani poderia trazer, embora nada nos garanta que esse dinheiro seria para investir na equipa). Nani tem enorme talento, mas nunca deu o que quer que seja ao Sporting. Diogo Salomão, pela sua atitude em campo, parece ser radicalmente diferente. Pelas declarações, idem aspas. E oxalá o seja mesmo.

 

2. Paulo Sérgio começou a ganhar este jogo na constituição da equipa inicial – e só isso já o distingue da maior parte dos treinadores que passaram pelo Sporting desde László Bölöni. Confrontado com a necessidade de agitar as consciências dos seus jogadores, surpreendeu-os na curva e deixou os titulares quase todos no banco. Arriscou, é verdade. Fez gambling, sim senhor. Mas conquistou duas bases importantíssimas. A primeira é o apreço do público e da Imprensa pela qualidade do plantel, agora subitamente reconhecido como tendo “várias opções”. A outra é a possibilidade de chegar ao fim e dizer que os titulares originais “não têm lugar garantido” no jogo contra o Benfica, o que pode ter no balneário um alcance que nada mais teria.

Tem tido altos e baixos, o Sporting. Depois de uma pré-época duríssima, jogou muito mal em Paços de Ferreira e de forma especialmente cinzenta contra o Marítimo, a Naval e o Olhanense. Mas ganhou 3-0 na Dinamarca, num jogo de vida ou de morte – e agora venceu em Lille com uma boa exibição na primeira parte, que a aflição final não chega para ofuscar. Por mim, continuo confiante em Paulo Sérgio. Com o “pinheiro” que ele tanto pediu, esta época bem podia estar a correr de forma completamente diferente. Fica-lhe a lição: para a próxima, não aceite um “não” por resposta.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 17 de Setembro de 2010

publicado por JN às 23:50

10 Setembro 2010

1. Gilberto Madaíl foi, desde que vejo futebol, o menos mau presidente que a FPF teve. Cometeu erros, cedeu a compromissos e fez concessões, mas também permitiu que a selecção nacional ganhasse a dimensão que merecia, ajudou a afirmar o nome de Portugal no mundo do futebol e é, aliás, um dos poucos decanos do futebol nacional que as escutas nunca comprometeram.

Entretanto, o seu prazo de validade expirou. Os primeiros sinais têm alguns anos. Desde então, Madaíl pediu carta branca à direcção da FPF e contratou Queiroz por quatro longos e absurdos anos. Depois, e quando as coisas apertaram, rasgou a carta branca e pediu um amplo consenso para dispensar o seleccionador. Finalmente, anunciou a dispensa sem ter ainda um sucessor para apresentar, deixando o país deprimido perante o fim de um ciclo, em vez de animado perante o início de outro.

Madaíl está cansado, adoentado e frágil. Ontem, garantiu que continuará em funções até à assembleia geral que convocou, mas não se pretende continuar em funções depois dela. No seu interesse, espero que não o pretenda. No nosso, não sei. Se bem conheço o futebol pátrio (e a própria Pátria), é bem possível que, daqui, só para pior. Foram muitos anos de boa vida. Está na hora de nova travessia no deserto.

 

2. E o meu candidato à sucessão de Queiroz (rufem os tambores) é: Paulo Bento. Sim, eu sei que o invectivei aqui durante anos a fio. Sim, eu sei que, ainda por cima, tive razão. Mas também sei que, desde então, o Sporting lhe deu uma lição importantíssima – a lição de que ele precisava para que pudesse um dia tornar-se um bom treinador (e, porque não, seleccionador nacional).

Paulo Bento foi a pior coisa que aconteceu ao Sporting, tão simplesmente, porque nunca bateu o pé à administração da SAD, aceitando todas as sucessivas restrições de recursos que lhe impuseram. Entretanto, já o percebeu: afinal, era possível investir, mesmo que agora os jornais decidam chamar “prejuízo” ao balanço que decorre desse investimento – e muito melhor teria feito se o houvesse exigido, sob pena de acabar, como acabou, no papel de Augusto da história.

Temos uma selecção de estrelas, estrelinhas e estrelícias – e Paulo Bento é, por esta altura, o homem certo para domá-las. Líder, mesmo, não o será. Mas será um ditador – e, mesmo que daí não resulte outra coisa senão a profilaxia, essa profilaxia é fundamental. O resto, Paulo Bento já sabe: um seleccionador, como um treinador, tem de funcionar em tensão com os dirigentes. Os brasileiros chamam-lhes “os cartolas” – e fazem bem.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 10 de Setembro de 2010

publicado por JN às 14:00

03 Setembro 2010

1. Por esta altura, já não me interessam as verdadeiras razões por que Carlos Queiroz venha a deixar o cargo de seleccionador nacional. Quero vê-lo pelas costas – e quero vê-lo pelas costas o mais depressa possível. Escrevi aqui, na altura da sua contratação, que a solução não servia – e que, aliás, contratá-lo por quatro anos era duplicar o absurdo. O tempo deu-me razão, mas apenas em parte. Queiroz foi muito pior do que alguém  alguma vez podia ter imaginado. Não conseguiu fazer a transição de gerações, não conseguiu mobilizar os portugueses e não conseguiu apresentar resultados. Não conseguiu evitar o alargamento do contingente estrangeiro do plantel, não conseguiu conter o abandono da selecção por parte de jogadores fulcrais e nem sequer vai conseguir sair com um mínimo de dignidade. Pelo contrário, deixará atrás de si pouco menos do que um faroeste – e, a não ser que as mudanças sejam rápidas e draconianas, com a colocação no cargo de seleccionador de um implacável ditador, podemos desde já considerar o Europeu de 2012 outro fracasso. As responsabilidades vão direitinhas para Gilberto Madaíl, naturalmente. Por falar nisso: o que pensa ele disto tudo? O que pensa disto a direcção da Federação Portuguesa de Futebol?

 

2. Apesar de Queiroz, não deixa de constranger-me o abandono da selecção por parte de Deco, Simão Sabrosa e Paulo Ferreira. Deco é um caso especial: o que restará de “portugalidade” nele, agora que está de regresso ao Brasil e sem ligações à selecção? Simão e Paulo Ferreira já são semelhantes: exerceram o seu legítimo direito a fazer apenas o que bem entendem, mas levam-nos igualmente a crer, ao abandonarem o barco num momento especialmente difícil, que a sua dedicação à causa nunca foi grande coisa. O que nem sequer é exclusivo deles, diga-se: por toda a Europa há jogadores a darem por concluídas as carreiras na respectivas selecções. Pois eu gostava que pusessem, todos eles, os olhos no golfe e nas selecções europeia e norte-americana para a Ryder Cup. Centenas e centenas de jogadores digladiaram-se, durante dois longos anos, por um dos 24 lugares disponíveis na 38ª edição da prova, marcada para Outubro. E, no entanto, os prémios de jogo não serão apenas mais baixos do que aqueles a que eles estão habituados nas suas rotinas semanais: são simplesmente inexistentes. Ali, joga-se apenas pelo prestígio e pela honra – e esse é o momento mais alto de uma vida. Sabendo talvez os futebolistas o que é o prestígio, saberão também o que é a honra?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 3 de Setembro de 2010


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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