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27 Agosto 2010

1. Eu devia estar contente com Roberto. Depois de uma adolescência inteira a ouvir falar de Rodolfo Rodríguez, a quem Sousa Cintra (tonto como só ele) chamou um dia “o quinto melhor guarda-redes do mundo”, Roberto devia chegar para fazer-me sentir vingado. Afinal, a justiça, tardando, não falha mesmo. Mas o facto é que acabo por ter pena do rapaz. Até porque sei que tem talento.

Roberto, no Benfica, já não dará nunca guarda-redes a sério. Veio sujeito a demasiadas expectativas, fracassou de imediato e jamais conseguirá dar a volta à situação, neste ano ou em próximos. Não me surpreende que o Benfica, embora negando-o, o tenha colocado no mercado. Mas não me importava nada de trocar já Rui Patrício por ele, assim estivesse Luís Filipe Vieira disposto a incluir Saviola e Cardozo no pacote.

Agora, não deixo de achar a sua dispensa, mesmo que apenas do papel de titular, especialmente perigosa. E agora, quem culpará o Benfica pela sua falta de eficácia, pela sua instabilidade na defesa, pela sua insegurança no meio campo, pelo seu desnorte no ataque? Culpará a sorte, claro – e já aí estamos nós a ouvir que, “se aquela bola do Gaitán tivesse entrado”, outro galo cantaria. E culpará, inevitavelmente, os árbitros também – e já por aí anda que, com o árbitro do Sporting-Marítimo, o Benfica nunca teria perdido em casa com a Académica.

Isto vai ser um ano muito longo mesmo. Tenhamos paciência.

2. Escrevo crónicas sobre futebol há vinte anos e, para além do Benfica (que nunca perco a oportunidade de alfinetar, no que será a melhor homenagem que posso prestar-lhe), apenas granjeei dois inimigos: o Olhanense, depois de, um tanto irreflectidamente, ter chamado ao seu campo de jogos “um galinheiro”; e o Sp. Braga, após, de forma assumidamente provocadora, ter dito que não tinha adeptos. Eis-me aqui a dar a mão à palmatória. O Sp. de Braga não só tem adeptos como, esta semana, arranjou mais um: eu próprio, arsenalista, não desde pequenino, mas desde a idade da razão (o que talvez devesse ser o mais importante de tudo). Muitos parabéns – e viva o Braga!

3. Escrevo antes do Brondby-Sporting – e, naturalmente, arrisco-me. Paciência. Se o Sporting tiver passado a eliminatória, ter-me-ei rendido em definitivo a Paulo Sérgio. Se tiver falhado, então não terá feito nem mais, nem menos do que aquilo que se esperava – e, em todo o caso, eu continuarei a apoiar este treinador. Cometeu vários erros, Paulo Sérgio, nos dois primeiros jogos oficiais. Mas em ambos os casos teve também a sorte contra si. E, para além de tudo, continua a ser um “self-made man”. Enquanto houver “self-made men”, o mundo manter-se-á um lugar possível.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 27 de Agosto de 2010


20 Agosto 2010

Pouco minutos antes de o Sporting tombar perante o Paços de Ferreira, estava eu a chegar da loja onde fora comprar o equipamento leonino para o meu afilhado. Vinha delirante, decidido a promover o nascimento de um novo sportinguista – e, inevitavelmente, hesitei. Se tantas e tantas crianças da minha geração escolheram o clube apenas porque o seu primeiro fato-de-treino era verde ou a sua primeira mochila dizia “Sport”, então um equipamento completo, com aquelas meiinhas  adoráveis e aqueles calções pequeninos e aquelas letras garrafais a dizer “Super Bock” nas costas da camisola rapidamente se lhe colariam à pele como uma segunda identidade – e essa identidade, como acabava de mostrar-me aquele malfadado jogo da Mata Real, não era propriamente um sucesso.

Para que se perceba o trabalho que tenho pela frente, devo dizer três coisas: o Louis é francês, vive em Paris e, tanto quanto sei, não tem, em toda a extensíssima família (nem do lado do pai, nem do lado da mãe), uma só alma sobre a qual o maravilhoso jogo da bola exerça um mínimo de fascínio. No momento em que abriu o presente, fez um ar desgostoso e perguntou-me, no seu ar de menino educado mas nem por isso exultante: “Devo vesti-lo?” – e mais tarde, cautelosamente, ainda encontrou maneira de inquirir: “E aquele outro presente que tinhas ali, para quem é?” Depois, porém, como que desabrochou. Há alguma coisa numa bola que ilumina uma criança – e, quando começámos a trocar o esférico sobre a relva, não foi difícil perceber que ele ganhava intimidade com ela a cada instante que passava, apesar de nunca, até então, tal jogo o ter seduzido.

Não me surpreendeu: o Louis, como os irmãos mais velhos (e um dia, provavelmente, o mais novo também), é tudo aquilo que sonhamos quando sonhamos com um filho. É assertivo, afectuoso e bonito, para além de educado (por favor, educado sempre, educado sempre) – e, se em vez de uma bola eu lhe tivesse dado uma equação matemática, o mais provável é que, mais tarde ou mais cedo, viesse a resolvê-la. Quando um dia vier para Portugal, vou levá-lo ao cinema e a jogar golfe, a comprar livros e, naturalmente, a ver o Sporting também. Está marcado para sempre – e, se um dia decidisse ser de outro clube que não o Sporting, não apenas me partiria o coração a mim, mas trairia toda a natureza humana.

Pensando bem, oxalá mude para outro clube qualquer: esta natureza é do pior – ser capaz de suplantá-la só pode ser bom sinal. Mas, se não mudar, lá estaremos os dois juntos, chorando derrotas. O Sporting será como que o seu criado de quarto – aquele que, apesar das glórias pessoais, lhe lembrará diariamente, pela manhã: “És estúpido. Podes estar no topo do mundo, que não deixarás de ser como todos os homens: um estúpido.” O Louis é um vencedor. Os vencedores precisam do Sporting.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 20 de Agosto de 2010

publicado por JN às 17:53

13 Agosto 2010

1. Marat Izmailov é um bom jogador de futebol, que no entanto deu muito menos ao Sporting do que aquilo que o seu talento teria permitido. Por esta altura, a sua reabilitação é impossível. Independentemente dos mistérios que possam rodear o seu declínio em Alvalade, o russo está com um pé fora do clube há demasiado tempo. Deveria ser vendido já. E, no entanto, é fundamental, desta vez, incluir no contrato de transferência uma cláusula impedindo-o de regressar a Portugal (ou, vá lá, impondo, em caso de tais circunstâncias, uma indemnização para o Sporting de montante suficientemente dissuasor). Izmailov não é João Moutinho. Moutinho é o VW Golf  que sabemos: sempre bonzinho, nunca brilhante. Izmailov pode ser brilhante. E Pinto da Costa sabe que ele pode ser brilhante.

2. Inquietava-se o “Record” de quarta-feira com o facto de o Sporting ser, dos três grandes, aquele com “pior saldo financeiro nas transferências de atletas durante o ano de 2010”. Ao todo, o Sporting investiu em compras mais 3,8 milhões de euros do que aquilo que facturou em vendas. Eu acho que foi pouco: provavelmente, deveria ter acumulado o triplo desse prejuízo. Por outro lado, o balanço também prova a falência da política desportiva do clube ao longo dos últimos sete/oito anos. Afinal, ficámos sem pérolas – e, em troca delas, nem dinheiro suficiente para a constituição de um plantel equilibrado conseguimos. Resultado: já estamos a perder dinheiro – e, embora tenhamos Izmailov para vender, ainda nos falta pelo menos um bom avançado e um bom guarda-redes (para além de mais um médio-ala, em caso de saída de Izmailov). Parabéns pelo “projecto”.

3. É claro que Corradi gostava de jogar no Sporting. Tem 34 anos, é terceira opção na Udinese, já não vai a tempo de fazer mais nenhum grande contrato – e a oportunidade que lhe aparece aqui é a de fazer um contrato razoável e, ao mesmo tempo, receber as verbas do contrato vincendo com o seu actual clube. Basicamente, é um potencial reformado de ouro mesmo à morte para calçar as pantufas. Mas é preciso que não nos esqueçamos de que Acosta, chegado a Portugal com 33 anos, também o era. E que, aliás, tanto Michel Preud’homme (chegado ao Benfica aos 35) como Peter Schmeichel (chegado ao Sporting aos 36), e por muito que o posto de guarda-redes seja diferente, o eram igualmente. Eu apostava tudo num bom exame de motivação. Há um estranho fulgor, às vezes, nos homens à beira do fim. Provar que o fim ainda não faz sentido – eis aquilo que Corradi tem de querer.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 13 de Agosto de 2010

publicado por JN às 23:54

06 Agosto 2010

Não, eu não tenho ilusões quanto à possibilidade de o Sporting discutir este ano o título nacional. Ao contrário do que acontece com muitos dos meus consócios, incluindo alguns dos mais notórios, a minha expectativa é que a equipa de Paulo Sérgio faça um campeonato razoável, disputando com dignidade os jogos com os velhos rivais e terminando à frente do Sp. Bragas, quem sabe até na luta com o FC Porto pelo segundo lugar. O primeiro, esse, parece-me entregue: é do Benfica. Desgraçadamente, o ano passado não foi um exemplo isolado: foi o início de uma tendência.

Perguntar-me-ão agora: então por que raio pensas tu, Noel ou lá como te chamas, que isso é melhor do aqueles quatro anos de Paulo Bento, com segundos lugares consecutivos, incluindo idas à Liga dos Campeões? Bom, por duas razões. A primeira é que, de contrário, não me restava outra coisa senão temer que estes fossem efectivamente os últimos dias do Sporting. E a segunda é que, mesmo que esta revolução tenha ficado aquém da ideal, estamos finalmente no caminho de alguma coisa. Com Paulo Bento, estávamos sempre no nosso limite: éramos segundos, mas nunca passaríamos disso.

Há muitos anos que cultivo a convicção de que o Sporting só tem uma escolha: demolir e fazer de novo. De forma que me enche de tédio ouvir agora tantos sportinguistas lamentar que se tenha “destruído todo o trabalho feito até aqui”, vendendo as chamadas “pérolas” e embarcando na mesma política de “contratação de estrangeiros e de veteranos” dos rivais. Sempre tive dúvidas sobre essas pérolas (falo de Moutinho e Veloso, naturalmente): têm de facto talento, mas no Sporting já não dariam mais do que aquilo. Por outro lado, o miserabilismo levou-nos a rigorosamente lado nenhum: as contas do clube estão tão de pantanas como sempre estiveram (se é que não estão pior ainda).

De forma que, se alguma coisa lamento nesta revolução, é que não tenha sido completa. Por mim, tinham partido também Rui Patrício, Abel, Helder Postiga, mesmo Djaló. Mas foi feita alguma coisa, efectivamente – e não é por ter sido feita por José Eduardo Bettencourt e Costinha (embora o mais provável é que tenha sido feita por Jorge Mendes), dois homens de quem já não parecia lógico esperar grande coisa, que vou desdenhar dela.

O Sporting, repito, está agora a caminho de um lugar. E o que se pode pedir, nesta fase, são duas coisas: que, no próximo ano (e, aliás, neste também, sempre que o mercado estiver aberto), a revolução continue; e que essa revolução não pare aos primeiros sinais de fracasso. Porque vai haver sinais de fracasso – e não hão-de tardar.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 6 de Agosto de 2010

publicado por JN às 23:41

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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