ler mais...
23 Junho 2010

A Suíça perdeu com o Chile, mas deu boa réplica – e eu estou convencido de que será ela a ganhar o Grupo H. Os chilenos, que lideram a classificação de forma aparentemente confortável, cometeram um erro crucial: ganharam apenas por 1-0 às Honduras. É nos confrontos com os hondurenhos que se decide a qualificação – e o mais certo é que, mesmo tendo agora seis pontos, o Chile acabe por ficar de fora. Perdendo com Espanha, mesmo que por um golo de diferença apenas, ficará de imediato atrás dela. Já no outro jogo estará uma Suíça a depender só de si – e uma vitória por dois golos, muito provavelmente, bastará para ganhar o grupo.

Ao contrário do que se esperava, pois, evitar a Espanha não passará por ganhar o Grupo G, mas sim por ficar no segundo lugar. O que nos liberta da necessidade de vencer o Brasil: perder pontos não só é tolerável, como é mesmo vantajoso. E, entre empatar e perder, eu preferia perder por 1-0. Fiquemos tranquilos quanto ao Costa do Marfim-Coreia do Norte: de maneira nenhuma a selecção de Eriksson conseguirá marcar oito golos a uma equipa coreana em risco de, ao chegar a casa, ter de ir ao palácio presidencial “ouvir” Kim Jong-Il ( “ouvir” é talvez um eufemismo, mas neste caso o mundo não faz sentido sem ele). E, depois daqueles retumbantes 7-0, Portugal precisa claramente de um banho de humildade.

Se Portugal deu sete à Coreia, isso deve-se, em parte, ao facto de ter empatado tão sombriamente com a Costa do Marfim. Os adeptos zangaram-se, a imprensa contestou a apatia – e isso espicaçou o grupo. Por esta altura, pelo contrário, estamos todos vaidosíssimos. A euforia é de tal ordem que, mesmo tendo Ronaldo confirmado mais tarde (no FaceBook, por exemplo) que a forma como marcou o 6-0 lhe deu vontade de rir, tanto os adeptos anónimos como alguns jornalistas insistiam que aquele momento em que ele levou com a bola na cabeça fora, na verdade, um domínio deliberado. Venha , pois, a água fria.

Não somos só nós, e para usar as expressões preferidas dos nossos pensadores da pacotilha, quem passa num ápice “da angústia à euforia”, fazendo passar de repente os jogadores “de bestas a bestiais”. É assim no mundo inteiro. O futebol é o reino da irracionalidade – e ainda bem que é assim, caso contrário não teria a graça que tem. Precisamente por isso é tão importante ter sorte na forma como as coisas se vão sucedendo umas às outras. E, agora, aquilo de que precisamos é que a sorte nos traga uma derrotazinha sem, ao mesmo tempo, nos colocar fora de prova. Por mim, estou tranquilo: tem saído sempre tudo bem a Queiroz, mesmo que ele não faça muito por isso.

ESPECIAL MUNDIAL ("Missão: Arco-Íris"). Jornal de Notícias, 23 de Junho de 2010

publicado por JN às 23:20

19 Junho 2010

De todos os choques emocionais vividos a pretexto deste Mundial, o mais divertido tem sido assistir ao empenho da benficagem em transformar cada pequena coisa que acontece em algo “sobre” eles próprios. Na verdade, eu já conhecia a mania: apesar de, no seu pior dia, Pauleta ter sido sete vezes melhor do que Nuno Gomes no seu melhor, passei cinco ou seis anos, durante os jogos da selecção, a ouvir gritos de apelo à entrada do jogador do Benfica para o ataque, que, ele sim, haveria de resolver aquilo tudo.

Este ano, com a vitória no campeonato, é pior ainda. No Portugal-Costa do Marfim, Fábio Coentrão foi o melhor titular e Rúben Amorim o melhor suplente. O melhor treinador, infelizmente, não foi português: foi Eriksson – mas Eriksson, como bem se recordam, aprendeu tudo o que sabe no Benfica. E, aliás, o mérito não foi só dele: como dissociar da boa prestação marfinense as dicas de Toni, benfiquista dos sete costados, sobre a forma de jogar da equipa portuguesa?

É, para mim, uma esquizofrenia indecifrável. Até hoje, só tive um cubismo na selecção: Pauleta, cuja existência foi a melhor coisa que aconteceu à auto-estima do meu povo em mais de trinta anos. De resto, nunca, por nunca ser, me recordo dos clubes em que joga cada um dos seleccionados. Mesmo Simão, que foi um autêntico sacana para os sportinguistas que haviam celebrado os seus primeiros passos no futebol – mesmo com Simão em vibro. E, se alguma coisa elogiei na convocatória de Queiroz, foi precisamente o facto de, embora havendo inicialmente posto de sobreaviso tantos jogadores do Sporting, ter acabado por deixá-los quase todos de férias.

Mas não deixo de sentir uma pontinha de inveja da benficagem. Em tempos como este, uma fé de tais dimensões deve ser melhor do que uma armadura. Está a economia de pantanas, o desemprego a alastrar como um maluco – “Não faz mal. Viva o Benfica! Hic.” Os políticos parecem agora de carácter duvidoso, a Justiça cada vez mais incapaz de desmascará-los – “Que se lixe. Viva o Benfica! Hic.” Portugal está aflito, as contas no grupo de repente estramalhadas – “Paciência. Viva o Benfica! Hic.” E vai de promover as entronizaçõezinhas do costume.

Que, após um jogo colectivo de tal forma desinspirado, se consiga ver brilhantismo em Fábio Coentrão, era uma tontice se não fosse encantador. Quem viu os jogos do Brasil, do Chile ou do México sabe bem como deve jogar um lateral, indo à linha e mesmo derivando para a área – e Coentrão jogou num escasso quadradinho, cumprindo apenas a metade mais fácil da sua missão. Mas desenganá-los para quê? Em tempos assim, vale a pena constatar que ao menos alguns portugueses estão felizes. Hic.

ESPECIAL MUNDIAL ("Missão: Arco-Íris"). Jornal de Notícias, 19 de Junho de 2010


17 Junho 2010

… e vocês sabem que eu o tinha. Ainda Queiroz não estava contratado e já eu o deixava escrito aqui, no JN: com ele não iríamos lá nunca. O “lá” era, não apenas um título internacional, mas os próprios pódios a que Scolari nos levara. O que, naturalmente, parece agora mais do que confirmado. Pelo jogo que Portugal realizou com a Costa do Marfim, pelos sinais de desorientação emitidos pelos jogadores e, sobretudo, por esta tontice do seleccionador que foi dizer que havíamos feito um jogo “inteligente”, evitando cair nas provocações de Eriksson.

Mas uma coisa é ver confirmadas as suspeitas, outra dar por perdida a passagem aos oitavos-de-final. Uma pessoa pode passar a vida a reproduzir cepticismos nos jornais que corre sempre o risco de acertar – e a última coisa que eu quero agora é limitar-me ao velho “Eu não vos disse?”. Portugal empatou com a Costa do Marfim e empatou bem. Foi um mau resultado? Foi um resultado medíocre. Mas o facto é que foi, apesar de tudo, melhor para nós do que para o adversário. E que, mesmo que não se saiba agora muito bem em que lugar é preciso ficar para evitar Espanha, Portugal continua em jogo.

Se Portugal ganhar à Coreia e o Brasil à Costa do Marfim, como é suposto que ambos façam, o calendário joga a nosso favor. Portugal poderá perfeitamente empatar com o Brasil, já em gestão de esforço (e em poupança de titulares e em limpeza de cartões amarelos). Isso chegará para a qualificação. De resto, a Costa do Marfim ainda terá de bater a Coreia, então com duas derrotas e urgente de deixar uma marca sua na competição. Não o conseguindo, isso também chegará para a nossa qualificação. Se precisam que vos lembre, aqui vai: em 2004, e depois da primeira derrota com a Grécia, a situação era bem mais desesperada.

O futuro é que é pior. Reformada a “geração de ouro”, a prometida “geração de platina” não chega sequer a ser uma “geração de prata” – e a geração seguinte parece mais sombria ainda. Mais: Carlos Queiroz tem outros dois anos de contrato, cabendo-lhe a qualificação para o Europeu de 2012. Ora, quanto a Queiroz, está tudo dito – e foi ele quem o disse, em Port Elizabeth. Portugal não caiu no engodo da Costa do Marfim. A FIFA deixou Drogba jogar com uma protecção. A Costa do Marfim foi demasiado defensiva. Tudo, menos o essencial: Portugal não jogou nada. Usou dois extremos e não rasgou uma só vez pelas alas. Tentou jogar futebol directo e não colocou uma só vez a bola jogável em zona de remate. Precisava mudar tudo e limitou-se, na prática, a usar as substituições para trocar jogadores.

Isto não chega para bater a Coreia. Ponto final.

ESPECIAL MUNDIAL ("Missão: Arco-Íris"). Jornal de Notícias, 17 de Junho de 2010

publicado por JN às 15:48

11 Junho 2010

Olho para Rúben Amorim e só me lembro de Tiuí. Havia em Tiuí qualquer coisa de estranho: um rosto demasiado convencional, uma coxa demasiado grossa, uma corrida demasiado bamboleante, um ar demasiado aprumadinho. Eu olhava para ele, aquecendo junto à linha de cabeceira, e não me ocorria outra coisa: podia perfeitamente ser um de nós, destacando-se apenas um bocadinho nos nossos solteiros-contra-casados. Não era um futebolista, basicamente – e não foi por marcar dois golos ao FC Porto que se tornou um futebolista. Uma Taça de Portugal não chega para fazer um futebolista. Era preciso um campeonato – e, mesmo assim, muito mais do que dois ou três golos.

Senti o mesmo, desde o princípio, com Rúben Amorim. Olha-se para ele em campo e rapidamente se percebe: ele podia estar em qualquer sítio, que o resultado era o mesmo. Põem-no a médio interior: não compromete. Põem-no a trinco: joga benzinho. Põem-no a lateral-direito: ninguém dá por ele, o que num defesa, mesmo lateral, é sempre pelo menos razoável. E, no entanto, também nunca se espera o que quer que seja dele. Rúben Amorim não falha um passe porque raramente arrisca um passe difícil. Não erra um corte porque normalmente controla o lance à distância. Faz um golo de vez em quando, mas porque leva com a bola – e, se saísse por uns minutos para ir urinar, tenho a certeza de que ninguém sentia a sua falta.

Substituir Nani por Rúben Amorim, e mesmo tendo em conta o reequilíbrio da equipa que tantos e tantos comentadores têm frisado ao longo dos últimos dias, é como substituir uma sequóia por uma acácia, um Maserati por um Opel Corsa, Scarlett Johansson por Winona Ryder. Um acácia também enfeita, um Opel Corsa também chega ao seu destino, Winona Ryder também tem um peito bonito. E, todavia, ninguém perde dois minutos a olhar para eles – e, se em algum momento os manda buscar para fazer as vezes, é depois de ter já concedido que nada será como dantes. E eu preferia Eliseu. Por razões sentimentais (é da minha terra, da minha ilha, da minha cidade e filho da Nené, que faz as melhores catchupas de Angra) e por razões estéticas. O futebol, com ele, é outra coisa: é uma alegria.

Rúben Amorim talvez até dê jeito. Se Fábio Coentrão for preciso na frente, passa Paulo Ferreira para a esquerda e vai ele para a direita. Se Pedro Mendes se lesionar e Pepe não estiver em condições, também não há problema: vai Rúben para o meio. E, se os três guarda-redes apanharem uma disenteria, paciência: aí está Rúben à baliza. Mas quem pode negar que esta selecção só faz sentido se não for preciso mandá-lo aquecer nunca?

ESPECIAL MUNDIAL ("Missão: Arco-Íris"). Jornal de Notícias, 11 de Junho de 2010


subscrever feeds
pesquisar neste blog
 
joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
nas redes sociais

livros

"O Terceiro Servo",
ROMANCE,
Editorial Presença,
2000
saber mais...


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
saber mais...


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
saber mais...


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicaçõets Dom Quixote,
2004
saber mais...


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
saber mais...


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
saber mais...

arquivos
2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D