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14 Maio 2010

1. O Sporting recebeu esta semana duas lições importantes – e tem, obrigatoriamente, de reflectir sobre elas. A primeira foi de Carlos Queiroz. A segunda foi do Atlético de Madrid. Talvez haja algo de especialmente constrangedor nessa simultaneidade: Carlos Queiroz está muito longe de ser uma referência mundial entre os da sua classe e o Atlético de Madrid não passa do mais assumidamente sofredor dos grandes clubes sofredores. Mas, nesta fase da nossa existência, é fundamental alguma humildade – e, em qualquer um dos casos, há uma aprendizagem a fazer.

Depois da mais deprimente de uma longa série de épocas deprimentes, o Sporting conseguiu colocar nove jogadores na pré-convocatória para o Mundial, liderando destacadamente o grupo de potenciais fornecedores da selecção. Pois apenas três desses nove jogadores efectivamente vão ao Campeonato do Mundo (e é se forem todos). O que nos diz, mais do que qualquer outra coisa, esta: a inércia do plantel do Sporting, de longe o clube onde há maior preponderância de futebolistas portugueses, era tão óbvia que até Queiroz a percebeu. E, se não fizermos outra coisa, ao menos que nos envergonhemos da liçaozinha. Nem que seja porque os nossos jogadores, provavelmente, não perceberão que devem envergonhar-se dela.

Entretanto, a vitória do Atlético de Madrid na Liga Europa traz à luz outra evidência igualmente importante. Sim, é certo que o Sporting se bateu de igual para igual com o irmão madrileno (que, aliás, até podia ter suplantado). E também é certo que um triunfo na Liga Europa, pouco mais do que uma espécie de segunda divisão pan-europeia, não é o mesmo que ganhar um campeonato nacional. Mas o facto é: o Atlético tornou a mostrar-nos que até os clubes mais sofridos têm de dar-se a si próprios, de vez em quando, uma oportunidade de triunfar. Quando vai, finalmente, o Sporting fazê-lo?

 

2. Das poucas intervenções de Paulo Sérgio a pretexto do Sporting, maiores ou menores, aturadamente ponderadas ou apenas de circunstância, pouco ressaltou ainda do que pretende exactamente o novo treinador  para a equipa. Ainda um dia destes o ouvimos dizer que quer “devolver o clube ao lugar que ele merece”, mas isso significa pouco: era a primeira coisa que, no seu lugar, eu próprio, treinador de bancada, diria. De forma que crescem as expectativas para a apresentação oficial deste fim-de-semana, incluindo a respectiva conferência de imprensa.

Insisto (e insisto e insisto): o treinador é a figura mais importante de um clube de futebol. Mais: o primeiro ano de Bettencourt (como, aliás, os primeiros meses de Costinha) demonstra claramente que é nas mãos do treinador que devemos colocar-nos. Que treinador é esse? Eis, agora, a questão. Para já, é o homem que deixou o V. Guimarães fora da Liga Europa, ao perder em casa o último jogo do ano, de resto contra um adversário directo na corrida à qualificação.

Injusto? Por isso mesmo: o melhor é Paulo Sérgio falar depressa. O que queremos saber é tão simples ou tão complexo como isto: será ele, enfim, o homem que resistirá à lógica miserabilista da administração do clube, fazendo-a inflectir em direcção à modernidade, à dinâmica da economia e à própria ambição? Ou será apenas mais um que, instalado em Alvalade, com a súbita impressão de que chegou enfim à elite do futebol, de imediato cantará a ladainha das “dificuldades financeiras”, da “gestão racional”, da “base sólida” e (oh, expressão maldita) do “projecto de futuro”?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 14 de Maio de 2010


07 Maio 2010

1. Estou de acordo com boa parte do que diz Pedro Pinto Souto. José Eduardo Betencourt verificou-se efectivamente “um logro” – e, embora esta paronomásia em particular seja de modesta retórica, o mais provável é que se tenha revelado também pouco mais do que um “puto da Costa”. Por esta altura, estou seguro disto que digo: o Sporting, assim, não vai lá. Não só porque 2009-2010 provou amplamente o fracasso deste tipo de gestão como, ainda por cima, o seu presidente continua a achar que a gestão foi positiva, que a base da equipa “é boa” e que, portanto, “três ou quatro ajustes” chegam para tornar-nos competitivos em 2010-2011. É desconcertante. Até os caniches de Ivan Pavlov perceberam que, quando a campainha tocava, estava na hora de salivar. No Sporting, temos uma sirene aos berros há que tempos – e, no entanto, ninguém se alarma.

O problema é que Pinto Souto chegou a representar uma esperança para muitos sócios leoninos, mas nem por isso levou em frente essa promessa. Ora, para mandar bocas já cá estamos nós, colunistas e sócios anónimos – toda uma parafernália de sofredores que diariamente choram a desgraça, a miséria e o vazio em que este clube se tornou. Se Pinto Souto tinha um “compromisso de seriedade” (sic) com Soares Franco, razão pela qual acabou por não avançar no ano passado contra José Eduardo Bettencourt, foi porque estabeleceu um compromisso com a pessoa errada – e, aliás, porque esta decidiu validá-lo em favor de uma segunda pessoa errada também. Na verdade, Pinto Souto não tem razão sequer quando diz que esta direcção deve cumprir o seu mandato até ao fim. No fim deste mandato, pode já não sobrar nada (se é que ainda sobra grande coisa).

Por favor, dr. Souto: chegue-se à frente. Chegue-se à frente já. O Sporting não pode esperar mais – e muito menos pode esperar mais três anos sob a liderança de um presidente que, a acreditar no que o senhor diz, “mente aos sócios”.

2. Olho para os 50 pré-convocados de Queiroz e gela-se-me a espinha: o Sporting é o clube que mais jogadores coloca entre aqueles com possibilidades de chegarem ao Mundial. Daniel Carriço, João Moutinho, João Pereira, Liedson, Miguel Veloso, Pedro Mendes, Rui Patrício, Tonel e Yannick – todos eles estão na calha para representar a selecção na África do Sul. E, embora seja de crer que Yannick não tenha grandes hipóteses, que Tonel e Daniel Carriço nunca irão juntos e que João Pereira talvez não tenha conseguido mostrar num clube grande (e, portanto, em ambientes mais exigentes) a mesma utilidade exibida no Sporting de Braga, a verdade é que são muitos.

Eu tremo. Em princípio, e sendo sportinguista, teria todo o gosto em ver muitos jogadores do Sporting na selecção. Foi sempre isso que senti ao longo dos anos, aliás. Mas a questão é que a selecção, este ano, é a única coisa com que homens como eu podem vibrar – e mau será que aquilo com que ainda podemos vibrar volte a ficar nas mãos dos mesmos. Desenganemo-nos: o Sporting é efectivamente quem mais investe nos jogadores portugueses. Mas vários destes jogadores não servem sequer para o Sporting, quanto mais para a selecção.

3. A iniciativa “Queremos a Selecção de Bigode no Mundial”, em curso no FaceBook, é uma oportunidade de ouro para a equipa de Queiroz (e o próprio treinador) mostrar cumplicidade com os adeptos nacionais e, aliás, atenção às novas tendências sociais. Se andamos há seis meses a cantar o insuportável “I Gotta Feeling”, então, decididamente, os jogadores deixarem todos crescer os bigodes até seria um gesto pequeno. Para além de que seria mais português.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 7 de Maio de 2010


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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