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26 Fevereiro 2010

Estranha a psicologia, a destes rapazes: Carlos Carvalhal diz-lhes que não se trata do jogo do tudo ou nada, à revelia de tudo aquilo que é verdade e de tudo aquilo que parecia sensato dizer – e de repente lá vão eles, em alta velocidade, fintando como quase nunca fintaram esta temporada, passando como não passavam há que tempos, correndo como já nem nos lembrávamos que corriam e arrancando, enfim, uma das melhores exibições (se não a melhor) de toda a época. Decididamente, eu nunca vou perceber esta equipa. E embora me pareça, por esta altura, que isso diz mais sobre ela do que sobre mim, agradeço humildemente esta alegria, por muito fugaz que seja – e comprometo-me desde já a deixar-me embalar pelo seu perfume até que não reste um só vestígio de odor.

Naturalmente, e no momento em que estamos da nossa sofrida existência, há vitórias que são perigosas – e nós temos já suficiente experiência em entusiasmos acelerados para nos deixarmos iludir de novo. Pode perguntar-se: mas tipos que jogam assim uma vez não podiam fazê-lo 30 vezes seguidas – e não seriam, com isso, suficientes para garantir uma candidatura “de facto” ao título de campeão nacional em 2010-2011? A resposta é clara: não. Se o Sporting jogou como jogou ontem, foi por uma de duas razões: ou porque Carlos Carvalhal aliviou a pressão aos jogadores, dizendo-lhes que o jogo não era de vida ou de morte; ou porque se tratava da última prova através da qual ainda podíamos dar um mínimo de dignidade à temporada. Ora, essas são condições que o Sporting nunca terá num ano vencedor. A pressão tem de existir sempre – e mal de nós todos se nos virmos novamente com uma qualificação para os oitavos-de-final da “Liga de Honra” europeia como última possibilidade de salvação da época.
Feliz ou infelizmente, está aí novo jogo com o FC Porto, para nos ajudar a recolocar as coisas em perspectiva. Pois o mínimo que nós podemos pedir, agora, é uma vitória. Uma vitória que signifique que, apesar do gosto com que nos vão redigindo os epitáfios, o Sporting ainda não está morto. Uma vitória que signifique que, apesar da extensão do fracasso, ainda houve neste campeonato alguma coisa que influenciámos. Uma vitória que signifique, aliás, que, mesmo fundamentalmente inúteis, estes jogadores têm dimensão suficiente para pelo menos tentar vender cara a necessária dispensa. Será o Benfica a ganhar o campeonato, nesse caso? Pois, meus amigos, se continuamos a respirar todos os dias – e a levantar-nos para trabalhar e a fazer a higiene matinal e a alimentar-nos o menos mal possível e a resistir à enorme tentação de terminar o dia num café esconso a encher a cara, como dizem os brasileiros – é porque há muito fizemos as pazes com essa inevitabilidade. De resto, a Terra continuará a girar, as águas a correr debaixo das pontes e as gerações a renovar-se. Talvez ainda haja tempo para evitar a extinção, no fundo. “Talvez” – eis o que uma simples vitória já é capaz de fazer pela nossa psique.

 

PS: a contratação de Costinha como novo director de futebol do Sporting deixa-nos, aparentemente, sem palavras. É uma sensação quase desconhecida para nós, sportinguistas: simplesmente ninguém parece saber o que dizer. E o mais provável é que também isso signifique mais sobre a dita contratação do que sobre nós.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 26 de Fevereiro de 2010


19 Fevereiro 2010

Diz José Eduardo Bettencourt que quer operar uma revolução no Sporting. Por acaso acho que a expressão que ele usou foi “mudanças estruturais”, mas estou em crer que aquilo a que se referia era mesmo a uma “revolução”. E, como eu também tenho um plano revolucionário para 2010-2011, gostava de partilhá-lo aqui. Convosco e com ele. Como uma espécie de contributo.

Eu começava, claro, pelos guarda-redes. Nenhum dos que temos actualmente serve para titular do Sporting, mas é justo dar a Rui Patrício a oportunidade de se arrastar pelo banco de suplentes durante uns tempos. Dois guarda-redes novos para os lugares de Tiago e Ricardo Baptista, pois – eis a urgência. E, se Patrício acabar na bancada, pois paciência.
Na defesa, é preciso mudar quase tudo. João Pereira serve para titular. Daniel Carriço e Tonel podem ser razoáveis suplentes. De resto, mais ninguém serve. São urgentes dois centrais altos, possantes e, apesar disso, com boa qualidade técnica. É preciso mais um lateral-direito e são precisos dois laterais-esquerdos. Mexer talvez possa ser testado como estagiário ao longo da primeira metade da temporada. Abel, Pedro Silva, Polga, Caneira, Grimi – nenhum serve para o Sporting.
No meio-campo é parecido. Pedro Mendes pode ser titular. Pereirinha tem condições para ficar no, digamos, fundo do plantel. Izmailov, Miguel Veloso e João Moutinho são activos vendáveis, pelo que não se deve perder tempo. Vukcevic bem pode ir como brinde, que eu já não me importo. Adrien não serve. Matias também não. E são precisos, naturalmente, um ala direito, um trinco, dois médios-centro (um mais “8” e outro mais “10”, para usar uma linguagem moderna) e um ala esquerdo.
No ataque, idem aspas. Liedson é titular de caras. Yannick pode ficar no fundo do plantel também. Pongolle talvez ainda valha uma parcela do que custou, pelo que o melhor é garanti-la já. Saleiro e Hélder Postiga não servem. Compras obrigatórias: um ponta-de-lança de raiz e dois avançados com capacidade de rasgar pelas alas, um com apetência pela esquerda e outro com apetência pela direita.
No total, ficamos com 24 jogadores. Quinze são contratados e um é chamado a casa (Mexer). Dos que saem, cinco são vendidos e onze são oferecidos, desbaratados, dispensados – enfim, o que seja. Para urgências, testes e demais tropelias, algum dos 17 (repito: dezassete) juniores e ex-juniores que inscrevemos esta temporada há-de servir.
Entretanto, muda-se o treinador, muda-se a equipa técnica, muda-se até a equipa médica. Muda-se o director de futebol, claro. E, inevitavelmente, muda-se o presidente. José Eduardo Bettencourt fez duas ou três coisas bem, mas por cada coisa que fez bem fez uma dúzia mal. De resto, declarou que o Sporting deve viver agora à imagem do FC Porto, gravitando em torno de “um director desportivo forte”, que é coisa que o FC Porto nem sequer tem – e, entretanto, foi de férias.
Não há dinheiro para isto? Então tenham a coragem de dizer-nos que o Sporting não é viável. Para ouvir agora que o Sporting não soube adaptar-se “aos tempos modernos”, como Bettencourt disse esta semana, é que já não estou disponível. Mas não era exactamente por estar na linha da frente da modernidade que o Sporting nos vinha obrigando a tantos sacrifícios e tanta humilhação?

 

PS: registo com deleite a escolha de Olegário Benquerença para apitar o FC Porto-Sp. Braga. Está ano não falha nada.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 19 de Fevereiro de 2010


12 Fevereiro 2010

Não, não é apenas de futebol que eu gosto: é da forma como ele sempre se me apresentou (bem sei que isto vos vai parecer um chavão, mas eu já explico) como uma das mais belas, transparentes e transversais metáforas para a vida: de como nele de concentram a alegria e a tristeza, a euforia e a angústia, a vida e a morte, a coragem e a cobardia e a tenacidade e a negligência e a generosidade e a maledicência – e de como essa metáfora, se bem manipulada, pode tornar-se acessível a tanta gente. O Sporting dos últimos cinco anos cegou-me a essa dimensão. Afundado numa angústia progressiva, eu, como outros, troquei a metáfora pela metonímia – e, entretanto, atarantado com as proporções, perdi o Norte ao todo e à parte, ao continente e ao conteúdo, ao copo que se bebe e ao vinho que se segura com a mão.

Esta semana, estou longe de Portugal. Não tão longe que não me tenham chegado já, provavelmente, os ecos do jogo da Taça da Liga, os relatos das suas glórias e dos seus fracassos, as provocações e até as palmadinhas nas costas. Mas longe, apesar de tudo. Longe dos rostos. Longe do email. Longe do FaceBook e do Twitter e do Orkut. Perto do telefone, mas com ele quase sempre desligado. E, portanto, fora do alcance das tropelias de Carlos Xistra, de Lucílio Baptista e de Olegário Benquerença. Inacessível aos desmandos da Comissão Disciplinar da Liga, das televisões enamoradas de Jorge Jesus e de todos aqueles que, inadvertidamente focados no imperativo do combate ao défice, insistem nas vantagens de uma vitória do Benfica para a recuperação da economia nacional. Surdo às palavras de José Eduardo Bettencourt, cego às travessuras de João Moutinho e companhia, mudo perante o resultado e as incidências e o rescaldo e tudo o mais que tenha a ver com o derby.

Portanto, não: eu não tenho nada a dizer sobre o Sporting-Benfica, que apenas verei gravado, ao regressar a Lisboa. E, no entanto, trago agenda. Pessoa que admiro considerou há dias o meu “Todos Nascemos Benfiquistas”, em que reuni algumas das crónicas de futebol que durante anos publiquei na NS’, um livro “sobre a vida toda”, mais do que sobre futebol – e eu gostava, de alguma maneira, de reencontrar esse olhar. Sei onde o perdi: perdi-o lamentando Paulo Bento e deplorando Soares Franco; perdi-o abismando-me com os colossais erros cometidos em todas as áreas da gestão do meu clube e empenhando-me em chamar publicamente a atenção para eles; perdi-o deixando-me obcecar com um regresso às vitórias e esquecendo-me do prazer de que antes me inundava uma boa derrota. Trago livros, naturalmente: livros de ficção, livros de crónicas, livros de poemas. Não sei se a solução está nos livros ou está no mar. Mas, por estes dias, tenho os dois ao meu dispor – e foi algures entre os dois que sempre reencontrei as paixões perdidas.

O futebol. Mas quem é José Eduardo Bettencourt e quem é Carlos Carvalhal e quem é Rui Patrício – quem são estes funcionários de trazer por casa, afinal, para destruir um amor de uma vida inteira?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 12 de Fevereiro de 2010


05 Fevereiro 2010

José Eduardo Bettencourt tem toda a razão: os sócios do Sporting não mereciam a humilhação de que foram alvo esta semana, levando cinco golos, um banho de futebol e até, no final, uma piscadela de olho condescendente da parte do FC Porto. Mas também não mereciam ter levado do Bayern de Munique duas cabazadas históricas cujos ecos percorreram a Europa. Não mereciam estar há sete anos (oito, com este) sem ganhar o campeonato. Não mereciam que se lhes tivesse dito durante todos esses anos que estavam ao nível dos adversários, quando na verdade não o estiveram nunca. Não mereciam uma série de outras coisas. E habituaram-se.

Saberá o senhor presidente o que é mais triste, no meio disto tudo? É que já nem sequer nos faz tanta diferença quanto isso. Custa ouvi-lo. Custa dizê-lo. Mas a verdade é esta: levar cinco do FC Porto ainda dói um bocadinho, mas já dói incomparavelmente menos do que doeu. E, inevitavelmente, um dia destes vai deixar de doer. Primeiro deixará de doer com o FC Porto, a seguir deixará de doer com o Benfica – e, então, não restará mais nada. No essencial, seremos aquilo que, entretanto, já se tornou claro que vamos ser em breve: um Vitória de Guimarães, um Belenenses, um Penafiel. Uma comédia, no fundo.
O Sporting, não me canso de dizê-lo, deu alguns sinais positivos ao longo dos últimos meses. Depois de ter mantido Paulo Bento, de ter recusado investir no plantel, de não se ter empenhado na contratação de um treinador de topo e de ter entregue o departamento de futebol a um (para dizer o mínimo) zaragateiro, foi à procura de jogadores, livrou-se do zaragateiro, regressou às vitórias e conseguiu acender uma pequena chama nos seus sócios e adeptos. Logo a seguir, porém, voltou a descarrilar: comprou Pongolle pelo dobro do dinheiro que podia ter pago por Ruben Micael, entregou o departamento de futebol às claques, deixou que a negligência voltasse a instalar-se em campo e acabou, enfim, humilhado no Dragão.
É um rude golpe para todos os sportinguistas – e um golpe mais duro ainda para aqueles que, como eu, se deixaram entusiasmar pelos sinais positivos emitidos algures no meio desta trapalhada toda. Aproveito, pois, para fazer um anúncio e deixar um aviso. O anúncio é este: ao contrário de outros colunistas, jornalistas e mesmo adeptos anónimos, eu não estou disponível para continuar a defender um projecto apenas porque a certa altura o defendi, ignorando os erros, a negligência e o autismo que os seus promotores entretanto decidam conceder-se a si próprios. E o aviso é este: o mais provável é que nenhum outro sócio ou adepto o esteja também.
Facto: o Sporting tem quatro meses para garantir a sua própria sobrevivência. Não são quatro meses para encontrar um caminho, para emendar a mão, para polir rugosidades. É a sobrevivência que aqui está em causa. O primeiro passo para a irrelevância absoluta está dado: não há, entre os nossos adversários, um só que nos respeite, quanto mais que nos tema. Daqui até não conseguirmos comprar um jogador, não conseguirmos vender uma época de direitos de televisão, não conseguirmos impingir uma camisola a um imigrante e não conseguirmos vencer um jogo que seja, vai um passo minúsculo. Depois não digam que ninguém avisou.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 5 de Fevereiro de 2010


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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