Sete vitórias consecutivas podiam ser suficientes para considerarmos que o Sporting regressou em definitivo, como disse o inefável Sá Pinto, “à senda das vitórias”. Pois eu acho que é pouco, tal as dívidas que tínhamos por cobrar a estes rapazes a quem damos a honra de vestir aquela camisola linda – e quero mais. A começar, já esta noite, pelo jogo com o Sporting de Braga. Razão simples: o Sporting de Braga não é candidato ao título – e terá de ser o FC Porto a livrar-nos desse imenso tormento que seria assistir a uma vitória do Benfica no campeonato. Pelo contrário, o Sporting de Braga é mais do que candidato ao terceiro lugar, do qual continuamos assustadoramente distantes – e, portanto, cabe-nos garantir os seis pontos em disputa (os três que ganhamos e os três que eles perdem) frente a um dito “adversário directo”.
De resto, chamar “candidato ao título” ao Sporting de Braga é apenas mais uma óbvia e desastrada manobra de diversão de Jorge Jesus, Luisão e companhia. Que o Sporting de Braga tem um grande treinador, provavelmente até melhor do que o do Sporting, não discuto. Que o Sporting de Braga tem um excelente plantel, provavelmente até mais completo e equilibrado do que o do Sporting, ainda menos. Que o Sporting de Braga começa a mexer-se nos bastidores, provavelmente mais empenhada e diligentemente do que o Sporting, ainda menos. Mas está verdinho ainda. Episódios como este da denúncia de um suposto “incentivo” bracarense ao Leixões para pontuar na Luz, em Setembro passado, mostram tudo. Para o Braga, que se deixa apanhar no mais tonto dos escândalos, não está agora reservada senão a desconfiança e a má vontade (da parte das instituições, da parte dos árbitros, da parte dos adversários). Para o Benfica, que não tem merecido de quem decide outra coisa que não colaboração, não faltará agora ainda mais solidariedade e ainda mais palmadinhas nas costas.
Estrelinha de campeão? Espetar cinco secos na revelação do campeonato anterior – e ainda assistir, quatro meses depois, retorcido de prazer, à denúncia de que um suposto concorrente tentara influenciar o resultado desse jogo. Decididamente, o Benfica está com ela toda este ano – e por isso mesmo nos dará ainda mais prazer assistir ao seu desmoronamento quando, enfim, as coisas começarem a acontecer. Mas, pelo amor de Deus, que comecem a acontecer depressa. Porque não vai ser com multazinhas de 750 euros a Aimar ou com denúncias tontas de Ruben Micael sobre Jorge Jesus lhe ter enfiado dois dedos na cara (mas o que é isso de “enfiar dois dedos na cara”, será isso agressão de que um homem se queixe?) que vamos lá. Este campeonato vai ter de se ganhar em campo. Pare lá o FC Porto de dizer tontices, pois, e jogue mas é à bola. Isto para o ano decide-se entre amigos – e o que é preciso é segurar as pontas até lá.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 29 de Janeiro de 2010
A cada dia que passa estou mais contente com o Sporting. Esta semana, por exemplo, tivemos uma jornada em cheio. Primeiro, passámos à eliminatória seguinte da Taça de Portugal. Depois, não o fizemos sem o susto de que sempre precisamos para nos lembramos das fraquezas em que ainda precisamos de trabalhar Finalmente, livrámo-nos de Sá Pinto, cuja contratação fora apenas o maior dos muitos erros absurdos que marcaram os primeiros seis meses da gestão de José Eduardo Bettencourt.
Tenho no meu FaceBook um amigo especial. Não é um amigo, na verdade: é um grupo. Chama-se “Eu Vou-me Rir Tanto Se o Glorioso Benfica Deste Ano Não Ganhar Nada”, foi fundado por uma série de antibenfiquistas primários (que são os melhores) – e, naturalmente, aderi a ele assim que me chegou o convite. Não é segredo para ninguém: o meu futebol começa na rivalidade entre o Sporting e o Benfica, dá a volta ao mundo e termina nela outra vez. Sou de uma terra que oscila entre o verde e o vermelho e sou de um tempo em que subsistiam ainda os gloriosos ecos da gloriosa época do glorioso Eusébio, embora muito depressa o FC Porto tivesse começado a ganhar tudo. Foram muitos anos a levar pancada, no fundo – uma adolescência inteira de fracasso, dor e solidão. Mesmo hoje, o meu futebol é esse, haja ou não sociedades anónimas desportivas, haja ou não assembleias gerais de accionistas, haja ou não comunicações à CMVM. E, efectivamente, desde Maio ou Junho que o sentimento que me vinha tomando era: “Eu vou-me rir tanto se o glorioso Benfica deste ano não ganhar nada…”
Para mim, está mais do que provado: Carlos Carvalhal merece assinar contrato com o Sporting até ao final de 2010-2011. Assim como assim, não vale a pena esperar por aquilo que o seu Sporting possa fazer até ao final da temporada (os Olegários desta vida parece já terem mais ou menos definido quem vai fazer o quê até Maio). E o facto é: quase pela calada, dizendo apenas o que é essencial dizer, Carvalhal fez quase tudo bem até agora. Mexeu na equipa um bocadinho depressa de mais, é certo – e a equipa, afundada no marasmo em que a haviam deixado afundar-se durante quatro longos anos, demorou a responder. Mas pôs a administração da SAD à procura de recursos para fazer o que há tanto tempo era fundamental fazer: contratar jogadores. E, sobretudo, proferiu e institucionalizou a frase mais importante da história recente do clube: aquela em que explicou, num tom tão seguro que quase parecia estranhar o simples facto de ninguém o ter percebido ainda, que o Sporting não pode assentar numa estrutura de “meninos” formados na academia de Alcochete.
Não sei se com o futebol é assim. Com a política, pelo menos, é: colocados perante um desafio, a primeira coisa que os partidos fazem é pôr os seus apparatchiks a telefonar para o Fórum TSF, para o Opinião Pública (SICN) e para o Antena Aberta (Antena 1) – e, no fim, aquilo que se pretendia um debate franco sobre o problema em causa redunda invariavelmente num jogo de forças entre o chorrilho de lugares-comuns a que o ouvinte anónimo recorre para vingar-se do mundo e o chorrilho de certezas absolutas que os apparatchiks têm sobre a bondade das propostas do seu partido. Basicamente, há sempre chorrilho – e há sempre propaganda.

