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29 Janeiro 2010

Sete vitórias consecutivas podiam ser suficientes para considerarmos que o Sporting regressou em definitivo, como disse o inefável Sá Pinto, “à senda das vitórias”. Pois eu acho que é pouco, tal as dívidas que tínhamos por cobrar a estes rapazes a quem damos a honra de vestir aquela camisola linda – e quero mais. A começar, já esta noite, pelo jogo com o Sporting de Braga. Razão simples: o Sporting de Braga não é candidato ao título – e terá de ser o FC Porto a livrar-nos desse imenso tormento que seria assistir a uma vitória do Benfica no campeonato. Pelo contrário, o Sporting de Braga é mais do que candidato ao terceiro lugar, do qual continuamos assustadoramente distantes – e, portanto, cabe-nos garantir os seis pontos em disputa (os três que ganhamos e os três que eles perdem) frente a um dito “adversário directo”.

De resto, chamar “candidato ao título” ao Sporting de Braga é apenas mais uma óbvia e desastrada manobra de diversão de Jorge Jesus, Luisão e companhia. Que o Sporting de Braga tem um grande treinador, provavelmente até melhor do que o do Sporting, não discuto. Que o Sporting de Braga tem um excelente plantel, provavelmente até mais completo e equilibrado do que o do Sporting, ainda menos. Que o Sporting de Braga começa a mexer-se nos bastidores, provavelmente mais empenhada e diligentemente do que o Sporting, ainda menos. Mas está verdinho ainda. Episódios como este da denúncia de um suposto “incentivo” bracarense ao Leixões para pontuar na Luz, em Setembro passado, mostram tudo. Para o Braga, que se deixa apanhar no mais tonto dos escândalos, não está agora reservada senão a desconfiança e a má vontade (da parte das instituições, da parte dos árbitros, da parte dos adversários). Para o Benfica, que não tem merecido de quem decide outra coisa que não colaboração, não faltará agora ainda mais solidariedade e ainda mais palmadinhas nas costas.
Estrelinha de campeão? Espetar cinco secos na revelação do campeonato anterior – e ainda assistir, quatro meses depois, retorcido de prazer, à denúncia de que um suposto concorrente tentara influenciar o resultado desse jogo. Decididamente, o Benfica está com ela toda este ano – e por isso mesmo nos dará ainda mais prazer assistir ao seu desmoronamento quando, enfim, as coisas começarem a acontecer. Mas, pelo amor de Deus, que comecem a acontecer depressa. Porque não vai ser com multazinhas de 750 euros a Aimar ou com denúncias tontas de Ruben Micael sobre Jorge Jesus lhe ter enfiado dois dedos na cara (mas o que é isso de “enfiar dois dedos na cara”, será isso agressão de que um homem se queixe?) que vamos lá. Este campeonato vai ter de se ganhar em campo. Pare lá o FC Porto de dizer tontices, pois, e jogue mas é à bola. Isto para o ano decide-se entre amigos – e o que é preciso é segurar as pontas até lá.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 29 de Janeiro de 2010


22 Janeiro 2010

A cada dia que passa estou mais contente com o Sporting. Esta semana, por exemplo, tivemos uma jornada em cheio. Primeiro, passámos à eliminatória seguinte da Taça de Portugal. Depois, não o fizemos sem o susto de que sempre precisamos para nos lembramos das fraquezas em que ainda precisamos de trabalhar Finalmente, livrámo-nos de Sá Pinto, cuja contratação fora apenas o maior dos muitos erros absurdos que marcaram os primeiros seis meses da gestão de José Eduardo Bettencourt.

Uma vergonha, o que se passou anteontem em Alvalade, entre o banco de suplentes, o balneário e a própria sala de conferências de imprensa? Sim. Por outro lado, estamos há muito tempo a passar vergonhas e podíamos muito bem passar mais esta, sobretudo se em favor da solução de um dos maiores problemas que ainda nos assolavam. De resto, o plantel já tem experiência para estar mais do que blindado a estas pequenas comoções. E, se a instabilidade se prolongar até ao jogo deste fim-de-semana, pois paciência: nós queremos que o Sporting ganhe sempre, mas sofrer uma derrota ou ceder um empate que dificulte a caminhada do Benfica em direcção à conquista do título é, bem vistas as coisas, um mal menor.
No essencial, está dado mais um importante passo na preparação de 2010-2011, aquele a que eu gosto de chamar (e passe a frase feita) o primeiro ano do resto das nossas vidas. De Sá Pinto, já disse quase tudo o que pensava, mas não me importo de repetir: foi um jogador razoável que apenas a Juve Leo transformou em mito – e qualquer projecto para atribuir-lhe responsabilidade seria sempre, na prática, uma contradição de termos. Para além de tudo, se as coisas efectivamente correram como foram relatadas pelos jornais, então correram bem. Liedson, há cinco anos o melhor jogador do plantel, disse: “Ou ele ou eu.” Pois deu “eu”. Deu Liedson. Excelente sinal.
Aliás, Liedson, uma personalidade indecifrável e tantas vezes acusada de individualismo no balneário, terá começado ele próprio a briga, contestando a crucificação sumária de Rui Patrício pelo director de futebol, na sequência do erro cometido pelo guarda-redes no segundo golo do Mafra. Duas coisas. Primeira: Patrício tornou-se titular cedo de mais – e talvez ainda nem sequer seja guarda-redes para o Sporting. Segunda: o relvado de Alvalade é uma vergonha – e tem de ser considerado naquela fífia. Terceira (afinal eram três): Liedson ouviu uma crítica injusta a um companheiro – e, como fazem os homenzinhos, ergueu-se em defesa dele.
Sabem o que eu penso verdadeiramente? Que devia ser Liedson o capitão desta equipa. Afinal, as coisas resolveram-se exactamente como Sá Pinto queria: ao sopapo – e, ainda por cima, ele perdeu. Entretanto, onde é que estava João Moutinho no meio de tudo isto? Estava a ensaiar a leitura da cartinha deixada por Sá Pinto aos jogadores do plantel. Mas será só a mim que isto parece uma récita do ciclo preparatório?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 22 de Janeiro de 2010


15 Janeiro 2010

Tenho no meu FaceBook um amigo especial. Não é um amigo, na verdade: é um grupo. Chama-se “Eu Vou-me Rir Tanto Se o Glorioso Benfica Deste Ano Não Ganhar Nada”, foi fundado por uma série de antibenfiquistas primários (que são os melhores) – e, naturalmente, aderi a ele assim que me chegou o convite. Não é segredo para ninguém: o meu futebol começa na rivalidade entre o Sporting e o Benfica, dá a volta ao mundo e termina nela outra vez. Sou de uma terra que oscila entre o verde e o vermelho e sou de um tempo em que subsistiam ainda os gloriosos ecos da gloriosa época do glorioso Eusébio, embora muito depressa o FC Porto tivesse começado a ganhar tudo. Foram muitos anos a levar pancada, no fundo – uma adolescência inteira de fracasso, dor e solidão. Mesmo hoje, o meu futebol é esse, haja ou não sociedades anónimas desportivas, haja ou não assembleias gerais de accionistas, haja ou não comunicações à CMVM. E, efectivamente, desde Maio ou Junho que o sentimento que me vinha tomando era: “Eu vou-me rir tanto se o glorioso Benfica deste ano não ganhar nada…”

Pois esse sentimento abandonou-me. Esse desejo de vingança, essa ansiedade de testemunhar o desastre, essa sede de ser eu próprio a accionar o alçapão – tudo isso me abandonou já. Uma espécie de hipnose colectiva tomou conta deste país. Há como que uma felicidade no ar: vizinhos desavindos reconciliam-se, casais decidem começar a fazer filhos, a própria economia parece preparar-se para respirar de novo. E eu fico preocupado. Às vezes, e estando na companhia de benfiquistas eufóricos, ainda tento pôr alguma água na fervura: “Não subam esse coqueiro todo, amigos. Olhem que é alto.” Dali a pouco, porém, eu próprio sou tomado por uma imensa paz: uma alegria quase juvenil, uma excitação fervilhante que é ainda, apesar de tudo, paz e harmonia. Está Freud às voltas dentro de mim, claro. Também eu tenho algo de benfiquista (o bem e o mal, já se sabe, convivem no homem). E eu próprio me vejo de repente a subir o coqueiro, a reconciliar-me com o meu senhorio, louco por fazer filhos, desvairado por pedir mais um empréstimo ao banco e comprar uma casa nova, um carro de luxo, um cruzeiro à volta do mundo.
De forma que não me mobiliza por aí além este pedido de Pinto da Costa para que o secretário de Estado do Desporto interceda junto das autoridades judiciais no sentido da criação de uma Operação Apito Encarnado. Na verdade, estou convencido de que toda esta trapalhada é involuntária. Tanto quanto percebo, os próprios homens do assobio foram tomados por esse estranho vírus da felicidade, para o qual não parece haver vacina. E assim vão eles connosco, e nós com eles: todos subindo esse coqueiro gigantesco, na ignorância de que lá em cima, apesar de tudo, sopra uma razoável brisa. Pelo que, para bem de todos nós, o melhor é mesmo que o Benfica efectivamente ganhe algo que se veja este ano. Porque de uma coisa eu tenho a certeza: ninguém se vai “rir tanto” se ele não ganhar. Este país ficará, de facto, irrespirável no dia em que a benficagem sair à rua celebrando a sua vitória. Mas é melhor não cutucar a serpente do mal. Antes um país irrespirável do que a malta toda apontando cacos de vidro aos pulsos, a ver se apanha a cauda do cometa. Então, sim, é que esta economia nunca mais recuperava.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 15 de Janeiro de 2010


08 Janeiro 2010

Para mim, está mais do que provado: Carlos Carvalhal merece assinar contrato com o Sporting até ao final de 2010-2011. Assim como assim, não vale a pena esperar por aquilo que o seu Sporting possa fazer até ao final da temporada (os Olegários desta vida parece já terem mais ou menos definido quem vai fazer o quê até Maio). E o facto é: quase pela calada, dizendo apenas o que é essencial dizer, Carvalhal fez quase tudo bem até agora. Mexeu na equipa um bocadinho depressa de mais, é certo – e a equipa, afundada no marasmo em que a haviam deixado afundar-se durante quatro longos anos, demorou a responder. Mas pôs a administração da SAD à procura de recursos para fazer o que há tanto tempo era fundamental fazer: contratar jogadores. E, sobretudo, proferiu e institucionalizou a frase mais importante da história recente do clube: aquela em que explicou, num tom tão seguro que quase parecia estranhar o simples facto de ninguém o ter percebido ainda, que o Sporting não pode assentar numa estrutura de “meninos” formados na academia de Alcochete.

Não é preciso dizer o quanto isto significa de corte com o passado recente. Nem, aliás, o quanto isso me enche de esperança, a mim e a outros como eu (e que são muitos mais do que se pensa, apesar de os adoradores de Soares Franco, Paulo Bento e demais miserabilistas tristonhos continuarem a encher os fóruns radiofónicos e os comentários dos jornais online de frases como: “Isto ainda vai correr muito mal…”). Pois é fundamental reconhecê-lo: este discurso, bem como a atitude que o tem coisificado, começou com a chegada de Sá Pinto e Carvalhal a Alvalade. Ora, Sá Pinto não tem, tanto quanto se saiba, um deadline: independentemente dos resultados próximos, há-de ser director desportivo (sim, eu sei que não é “director desportivo” mesmo, mas também nunca ninguém explicou como se diz ao certo) ainda durante algum tempo, podendo mesmo trocar de treinador uma ou outra vez. Já Carvalhal não: tem contrato até Junho apenas – e pode muito bem estar a lançar as bases para outro brilhar.
Não merece. Pelo contrário: merece assinar contrato por pelo menos mais um ano, dispondo da oportunidade de montar uma equipa à sua imagem – e de geri-la depois durante tempo suficiente para que possamos formar uma opinião sobre o seu trabalho e as perspectivas que ele nos abriu. E então, sim, devemos ser implacáveis (implacáveis como nunca fomos com Paulo Bento): se for bom e proporcionar expectativas quanto a um futuro de sucesso, deixá-lo ficar; se for apenas mais ou menos e perder a capacidade de encher-nos de esperança, deixá-lo sair. O Sporting é e tem de continuar a ser um clube grande. Na pior das hipóteses, pode ficar três anos sem ganhar o campeonato (incluindo duas vitórias para o FC Porto e uma para o Benfica), não mais do que isso. E aquilo para que até hoje estávamos a preparar-nos, com Paulo Bento, com o discurso vigente e com a atitude conformista que se institucionalizara, era para passar outros 17 ou 18 anos no deserto, a ganhar uma Taça de Portugal de vez em quando – e, de resto, todos contentinhos porque íamos à Liga dos Campeões fazer figuras tristes.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 8 de Janeiro de 2010


01 Janeiro 2010

Não sei se com o futebol é assim. Com a política, pelo menos, é: colocados perante um desafio, a primeira coisa que os partidos fazem é pôr os seus apparatchiks a telefonar para o Fórum TSF, para o Opinião Pública (SICN) e para o Antena Aberta (Antena 1) – e, no fim, aquilo que se pretendia um debate franco sobre o problema em causa redunda invariavelmente num jogo de forças entre o chorrilho de lugares-comuns a que o ouvinte anónimo recorre para vingar-se do mundo e o chorrilho de certezas absolutas que os apparatchiks têm sobre a bondade das propostas do seu partido. Basicamente, há sempre chorrilho – e há sempre propaganda.

De maneira que eu não sei quantos homens do aparelho bettencourtista andaram a escrever-me ao longo do último ano. Mas voltei aos arquivos do meu email, do meu site, do meu FaceBook e do meu Twitter à procura da expressão “não há dinheiro” (ou similar) e encontrei milhares delas: milhares de pessoas que se deram ao trabalho de ler estas crónicas, ligar o computador e elaborar um texto rebatendo-as com o argumento oficial de que o Sporting só não investia mais porque não podia. Pois eu acho que é altura de dizer-lhes que estavam enganadas. E não para que se reconheça que eu (e outros como eu) estava certo (estávamos certos), mas para que isto não se repita.
Por esta altura, e com apenas cinco campeonatos ganhos nos últimos 40 anos, já temos a palavra “fracasso” inscrita no ADN. Há muito que chegámos a uma encruzilhada – e há outro tanto que não sabemos como sair dela. Podíamos ter feito como o FC Porto fez a partir da chegada de Pinto da Costa, reorganizando-se, profissionalizando-se, investindo a preceito e persistindo na estratégia até que ela desse certo. E podíamos ter feito como fez o Atlético de Madrid, desenvolvendo um snobismo loser, chamando-se a si próprio “um clube de sofredores e derrotados”, mas nem por isso deixando de cultivar uma superioridade filosófica em relação aos rivais.
No fim, fizemos uma coisa muito mais portuguesa (e temo que, agora, muito mais sportinguista também): reorganizámo-nos mal, profissionalizámo-nos pior, investimos ainda pior – e, apesar de mil vezes termos mudado de estratégia, persistimos no discurso de que o Sporting está ao nível do FC Porto e do Benfica, sendo portanto um “crónico candidato ao título”. Não fomos carne nem fomos peixe – e, porque não fomos carne nem peixe, o sucesso vomitou-nos da sua boca. Pois devíamos ter vergonha do que fomos: ingénuos, crédulos, imprevidentes. E deveríamos estar conscientes de que, se ainda há algo a fazer pelo Sporting grande e temível do passado, é agora.
Havia dinheiro, afinal. Tanto dinheiro que, quanto a esta primeira parte dele, talvez a tenhamos mesmo investido mal – e tanto dinheiro que, não havendo no clube qualquer know how em matérias de investimento a sério, talvez ainda invistamos mal a próxima. E, no entanto, as tranches são fundamentais. A tranche de Dezembro/Janeiro está em aplicação. E a tranche do Verão terá de estar também, no seu devido tempo. Preparem-se estes dirigentes para dizer-nos, em Maio/Junho, que se gastou no Inverno todo o dinheiro que havia, e ter-me-ão à perna novamente. Na conversa do “não há dinheiro” já nós caímos vezes de mais. E, se não é o FC Porto o nosso modelo, então que nos digam claramente que é o Atlético de Madrid.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 1 de Janeiro de 2010


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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"Al-Jazeera, Meu Amor",
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