ler mais...
25 Dezembro 2009

João Pereira tem todas as qualidades, todos os defeitos e até todas as anodinias de Sá Pinto – e não é de estranhar que, nas primeiras declarações ao site oficial do Sporting, tenha de imediato sublinhado como gostou de conhecer o presidente e (lá está) o director de Futebol. Não o escondo: nunca gostei de Sá Pinto. Em campo e fora dele (nos corredores, nas salas de conferência de imprensa, nos estágios da selecção nacional), comportava-se muitas vezes como um arruaceiro – e, quando usava a braçadeira de capitão de equipa, dava-me vontade de levantar-me e sair do estádio. Mas era também um homem a quem sobrava aquilo que agora mais falta faz ao balneário do Sporting: desejo. Ora, João Pereira, que tem igualmente um passado de arruaceiro, é igualmente um homem cheio de desejo. E, mesmo se é ainda um jogador apenas mediano (exactamente como Sá Pinto, de resto), representa um reforço com significado para 2010-2011, que é quando estas coisas todas terão de se avaliar.

Dizem-me agora, a pretexto da sua contratação: “O Sporting pensa em pequeno.” Pois pensa – e, aliás, não tenho escrito eu outra coisa nos últimos anos. Por outro lado, muitos dos que agora reclamam que o Sporting pensa em pequeno pertenceram, nos últimos três ou quatro anos, àquela imensa maioria dos que deixaram que a situação chegasse onde chegou. No essencial, a questão é esta: o Sporting gastou três milhões de euros num defesa lateral – e três milhões de euros num defesa lateral é incomparavelmente mais relevante do que três milhões e meio num número 10 (que foi o que o Sporting investiu em Matías Fernández), posição para que muito mais facilmente se comete uma excentricidade. Mais: o Sporting, leio nos jornais (nas entrelinhas da dança de nomes de potenciais reforços, isto é), está mesmo disposto a gastar até 15 milhões de euros em novos jogadores só em Janeiro. E isso, signifique ou não que José Eduardo Bettencourt está sobretudo a tentar recuperar um estado de graça que conseguiu estilhaçar em escassos meses, é uma notícia extraordinária.
Se este dinheiro é uma antecipação das receitas do próximo ano, não faço ideia. Se se trata de começar desde já a gastar os proventos do novo e famigerado project finance, também não. E a questão é: de todas as coisas que me importam, essa é, nesta altura, a que menos me importa. Eu não sou gestor: sou sportinguista. Mais do que sportinguista, aliás: sou lagarto. Que o clube deve acautelar o futuro, estou de acordo. Que deve garantir a sua próprio sobrevivência para as gerações vindouras, também. Mas de nada serve, para as gerações vindouras (ou mesmo para nós, dentro de muito pouco tempo), um Sporting que não seja Sporting. Um Sporting que seja Belenenses – ou, pior ainda, um Sporting que seja apenas mais uma empresa portuguesa-com-certeza, ocorrendo a circunstância de estar no ramo do pontapé na bola (mas podendo perfeitamente estar no ramo da finança, da gasolina ou da transformação do tomate, que era a mesma coisa). E, se foi por isso que Rita Figueira saiu da SAD – ou seja, porque achava que o Sporting não devia ter deixado de ser gerido como uma empresa da transformação do tomate – pois ainda bem que saiu.
Por mim, vinham todos: Ricardo Costa, Eliseu, Humberto Suazo, André Santos, Rúben Micael, Djalma, Babá. Vinham estes e, aliás, outros tantos – uma equipa toda nova, do género estágio de pré-temporada ao fim do qual só o filet mignon continuava. Foi aqui que o miserabilismo dos últimos anos nos deixou: rigorosamente no ponto zero. E, enquanto José Eduardo Bettencourt continuar a dar sinais de que o percebeu, terá o meu apoio. Que diabo: mesmo Sá Pinto terá o meu apoio, coisa que até há muito pouco tempo até a mim próprio me pareceria impensável.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 25 de Dezembro de 2009


18 Dezembro 2009

Perguntam-me: “Mas achas mesmo que o Sporting está melhor, depois da troca de Paulo Bento por Carlos Carvalhal?” – e com aquele retórico “mesmo” esperam que a pergunta fique automaticamente respondida (de forma negativa, claro). Não fica. O Sporting está efectivamente melhor desde que Paulo Bento se demitiu, tenha ou não optado pela melhor alternativa para a sua substituição. Perdeu com o Leiria em casa? Pois perdeu. Perdeu com o Hertha em Berlim? Pois perdeu. Está a praticar um futebol medíocre, com um plantel medíocre e expectativas de classificação medíocres também? Pois está. Mas agora sabe que está a praticar um futebol medíocre, sabe que tem um plantel medíocre e sabe que o limite das suas aspirações classificativas é medíocre – e isso é muito mais do que eu esperava que uma figura da dimensão de Carlos Carvalhal pudesse fazer em um mês apenas.

Consciência – eis aquilo que ganhámos nas últimas semanas. Consciência, em primeiro lugar, de que valemos pouco. Consciência, em segundo lugar, de que precisamos de investir em meios para valer mais. E consciência, em terceiro lugar (e o que é o mais importante de tudo), de que jogar para o segundo lugar não chega. Paulo Bento, não me canso de dizê-lo, operou pequenos milagres. Mas, para ganhar um campeonato, o Sporting não precisava de pequenos milagres: precisava de um milagre dos grandes – e a posição em que nós temos de colocar-nos agora é numa que nos permita não precisar de milagre nenhum. Pois temos por esta altura à frente da equipa um homem que não só não é milagreiro, como já nos ajudou a perceber que os milagres nem sequer são coisa deste mundo. Quanto a mim, é um salto gigante.
Não há volta a dar-lhe: esta época é para queimar. Na melhor das hipóteses, chegaremos à Liga Europa, feito que já teria o seu mistério. De resto, o essencial, agora, e não sendo preciso bater mais no fundo (no fundo já nós estamos a bater há anos), é iniciar a preparação do plantel para uma época de 2010-2011 pelo menos condigna. Há anos que nos dizem: “É preciso dar um passo atrás para, então sim, darmos dois à frente.” Pois esta temporada é para cobrar o primeiro desses passos – e na seguinte cá estaremos, de dentes arreganhados, vozes tonitroantes e canetas afiadas, para reclamar o passo seguinte. De resto, não se pode pedir a Carvalhal que, em apenas um mês, convença uma série de madraços a quem há cinco anos diziam que o segundo lugar bastava de que é mesmo preciso vencer.
Mas pode pedir-se-lhe que exija mais trabalho, mais treino, mais profissionalismo. E uma das formas de fazê-lo talvez fosse a imposição de um regime laboral que obrigasse os jogadores a passarem pelo menos parte da tarde no emprego. O dia-a-dia de um jogador do Sporting, hoje, é assim: chegada à academia às 10.00, treino das 10.30 às 11:45, motor do bólide a ronronar às 12.00 – e aí vão eles jogar PlayStation. Há três ou quatro que, por necessidade de banhos e massagens, ficam mais meia hora. No limite, há ainda dois ou três que, devido a lesão, almoçam na academia e vão para o ginásio à tarde. Mas é tudo. E eu, sinceramente, acho que isto é refastelo a mais. Independentemente de ser uma tolice aquela ideia de Luís Filipe Vieira de pôr os jogadores a saírem do trabalho às 19.00 (de resto, nunca consumada), no Benfica – como, aliás, no Porto – trabalha-se mais. E, provavelmente, chegou a hora de acabar com a boa vida desta gente.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 18 de Dezembro de 2009


11 Dezembro 2009

Leio sobre os planos de Carvalhal para a reestruturação da equipa do Sporting e acho que continua a faltar o essencial. Para suplantar este ciclo, o Sporting precisa de extirpar de vez o que em Alvalade ainda reste de Paulo Bento. E o que em Alvalade ainda resta de Paulo Bento, mais do que qualquer outra coisa, é João Moutinho. Surpreendidos? Pois é essa a minha convicção: o Sporting precisar de vender Moutinho, mesmo que por menos dinheiro do que um dia ofereceram (se é que ofereceram) por ele. Nascido nas escolas do clube e nunca colocado perante qualquer desafio a sério, o nosso mui amado capitão virou, dentro do balneário, um símbolo do conformismo que marcou estes penosos quatro anos em que ficar em segundo era tão bom como ser campeão. Ainda pode ser um grande jogador, sim. Mas neste momento não é – e, sendo capitão, tem uma má influência sobre os restantes. Para nós, como para ele, o ideal seria uma transferência. Já no Inverno.

De resto, talvez me tenha enganado sobre o treinador. Apesar dos escassos oito meses de contrato com que foi cinicamente brindado, Carvalhal está, para já (repito: para já) a fazer quase tudo bem. Depois da lição de comunicação que deu a Paulo Bento, puxando pelas hostes e dando pequenos sinais de insubmissão para com o miserabilismo directivo, chega a hora da lição de futebol. E a lição de futebol não começa naquele jogo de Setúbal (que não foi tão mau como isso, que não foi tão mau como isso). A lição de futebol começa na própria elaboração do plantel. E o plantel do Sporting, requerendo reforços, requer antes uma drástica limpeza de balneário. Pois aí está a primeira medida: a dispensa de Angulo, que só quatro cabecinhas como as de Paulo Bento, Pedro Barbosa, Miguel Ribeiro Teles e José Eduardo Bettencourt podiam ter engendrado como “reforço”. A acreditar nos jornais, aliás, as próximas saídas seguem dentro de momentos: André Marques, Saleiro, Caicedo – pelo menos metade dos jogadores que todos sabíamos não terem as mínimas condições para jogar no Belenenses, quanto mais no Sporting.
No mais, não, não está tudo bem. Mas estes são, aparentemente, tempos de mudança mesmo. Mesmo José Eduardo Bettencourt, que até à contratação de Carvalhal apenas revelara talento no manejo da maraca, aprendeu a (resistamos à tentação do trocadilho óbvio do “fechar a matraca”) calar a boca. Mais: de Salema Garção, não se sabe o que seja – e de Sá Pinto, o mais que se conhece são aqueles saltinhos no banco. Basicamente, parece tudo centrado no treinador, que é em quem as coisas verdadeiramente devem estar centradas. E, para isso, nem sequer foi preciso ir buscar o novo Mourinho. Aliás, de novos Mourinhos, diga-se, vai ficando o inferno cheio. Vilas Boas levou um tareião na Luz – e o melhor que soube argumentar foi que, no seu douto entendimento, 4-0 não configura uma goleada. Paulo Duarte era um ídolo em França, um fenómeno verdadeiramente dos demónios – e acabou por ser “só” o primeiro treinador a ser despedido no campeonato de 2009-2010.
Definitivamente, os mitos vão ruindo, um a um. E eu gostava que o próximo fosse João Moutinho. Até para que ele possa provar que efectivamente merece um. Ficando no Sporting, já não passa disto.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 11 de Dezembro de 2009


05 Dezembro 2009

A história de Mexer dificilmente faz lembrar a de Eusébio, mas ao menos faz lembrar a de Ali Hassan – e, ao fazê-lo, como que coloca os sportinguistas novamente em lua de mel com o futebol e o Sporting. “Lua de mel” é exagero: nós vimos o jogo com o Benfica, percebemos o que pode dar esta equipa e não cultivamos grandes expectativas quando ao futuro imediato. E, porém, ao declarar tão inequivocamente que preferia jogar no Sporting, apesar do convite do Benfica, Mexer fez mais por nós do que dois terços dos treinadores e três quartos dos dirigentes que passaram por Alvalade nos últimos anos. Afinal, ainda resta alguma magia a este clube. E, se para encontrá-la foi preciso regressar momentaneamente ao nosso passado colonial, incluindo esses tempos gloriosos em que o futebol português não era apenas um dos bons campeonatos da Europa, mas o mais importante campeonato do mundo para uma série de povos africanos, pois está tudo bem na mesma.

De resto, Rabiu vai ter uma oportunidade no plantel principal, mas não é descaradamente intitulado de “reforço”, ao contrário do que aconteceu com André Marques ou Saleiro. Izmailov, que prometera abandonar o Sporting no dia em que Paulo Bento saísse, parece afinal feliz com o seu regresso aos relvados. Stoijkovic, que é seguramente um louco mas tem potencial para ser o nosso principal (e melhor) guarda-redes, parece agora provido da humildade suficiente para justificar a presença no plantel. E, sobretudo, começam a desfilar nomes na imprensa. Mexer, Nelson, Quaresma, Danny, Bajrami. Ora, eu acho que, por esta altura, o mínimo que se pode fazer por esta deprimida massa associativa é isso: pôr nomes a desfilar na imprensa. Não vêm todos? Claro que não vêm todos. Há uma certa irresponsabilidade em deixar que os nomes de todos sejam conhecidos? Tudo bem: há. Mas há também, pelo menos, uma preocupação em encontrá-los – e se, no limite, o objectivo é populista, pois paciência. Enganem-nos, que nós gostamos. Mais do que isso: enganem-nos, que nós precisamos. Nesta altura, precisamos.
O ânimo pode ser artificial, mas precisa de ser urgentemente recuperado – e, ao terem-no em atenção, José Eduardo Bettencourt e os seus pares (quem são os pares de Bettencourt, afinal?) demonstram ter aprendido a lição número um. Até aqui, o Sporting era como o Governo Sócrates: liberal quando lhe dava jeito e socialista quando lhe convinha – mas sempre, sempre contrário aos interesses imediatos do povo. Talvez isso seja positivo para um Governo: pensar no futuro, ver mais do que um palmo à frente do nariz. No Sporting de hoje, seria uma tragédia: nós estamos fartinhos de futuro e da conversa do futuro. O Sporting precisa de presente. E não é só o Sporting que precisa de presente: é o próprio Bettencourt – e é, mais até do que ele, toda esta ordem de dirigentes instalada no clube desde 1995, quando um golpe palaciano afastou Sousa Cintra e fundou o regime da cooptação e demais sucessões dinásticas.
Muito claramente: o que está em jogo daqui até ao final da época, nestes pouco mais de seis meses que são os mais importantes da vida deste clube, não é apenas Bettencourt: são 15 anos de história e é o próprio modelo de empresarialização do clube. Ganhámos dois campeonatos, sim. Mas voltámos ao que éramos antes – e o Sporting que hoje temos não é melhor nem pior do que o daqueles 18 anos de deserto absoluto: é igualzinho (mas com menos esperança).

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 4 de Dezembro de 2009


subscrever feeds
pesquisar neste blog
 
joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
nas redes sociais

livros

"O Terceiro Servo",
ROMANCE,
Editorial Presença,
2000
saber mais...


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
saber mais...


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
saber mais...


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicaçõets Dom Quixote,
2004
saber mais...


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
saber mais...


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
saber mais...

arquivos
2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D