João Pereira tem todas as qualidades, todos os defeitos e até todas as anodinias de Sá Pinto – e não é de estranhar que, nas primeiras declarações ao site oficial do Sporting, tenha de imediato sublinhado como gostou de conhecer o presidente e (lá está) o director de Futebol. Não o escondo: nunca gostei de Sá Pinto. Em campo e fora dele (nos corredores, nas salas de conferência de imprensa, nos estágios da selecção nacional), comportava-se muitas vezes como um arruaceiro – e, quando usava a braçadeira de capitão de equipa, dava-me vontade de levantar-me e sair do estádio. Mas era também um homem a quem sobrava aquilo que agora mais falta faz ao balneário do Sporting: desejo. Ora, João Pereira, que tem igualmente um passado de arruaceiro, é igualmente um homem cheio de desejo. E, mesmo se é ainda um jogador apenas mediano (exactamente como Sá Pinto, de resto), representa um reforço com significado para 2010-2011, que é quando estas coisas todas terão de se avaliar.
Dizem-me agora, a pretexto da sua contratação: “O Sporting pensa em pequeno.” Pois pensa – e, aliás, não tenho escrito eu outra coisa nos últimos anos. Por outro lado, muitos dos que agora reclamam que o Sporting pensa em pequeno pertenceram, nos últimos três ou quatro anos, àquela imensa maioria dos que deixaram que a situação chegasse onde chegou. No essencial, a questão é esta: o Sporting gastou três milhões de euros num defesa lateral – e três milhões de euros num defesa lateral é incomparavelmente mais relevante do que três milhões e meio num número 10 (que foi o que o Sporting investiu em Matías Fernández), posição para que muito mais facilmente se comete uma excentricidade. Mais: o Sporting, leio nos jornais (nas entrelinhas da dança de nomes de potenciais reforços, isto é), está mesmo disposto a gastar até 15 milhões de euros em novos jogadores só em Janeiro. E isso, signifique ou não que José Eduardo Bettencourt está sobretudo a tentar recuperar um estado de graça que conseguiu estilhaçar em escassos meses, é uma notícia extraordinária.
Se este dinheiro é uma antecipação das receitas do próximo ano, não faço ideia. Se se trata de começar desde já a gastar os proventos do novo e famigerado project finance, também não. E a questão é: de todas as coisas que me importam, essa é, nesta altura, a que menos me importa. Eu não sou gestor: sou sportinguista. Mais do que sportinguista, aliás: sou lagarto. Que o clube deve acautelar o futuro, estou de acordo. Que deve garantir a sua próprio sobrevivência para as gerações vindouras, também. Mas de nada serve, para as gerações vindouras (ou mesmo para nós, dentro de muito pouco tempo), um Sporting que não seja Sporting. Um Sporting que seja Belenenses – ou, pior ainda, um Sporting que seja apenas mais uma empresa portuguesa-com-certeza, ocorrendo a circunstância de estar no ramo do pontapé na bola (mas podendo perfeitamente estar no ramo da finança, da gasolina ou da transformação do tomate, que era a mesma coisa). E, se foi por isso que Rita Figueira saiu da SAD – ou seja, porque achava que o Sporting não devia ter deixado de ser gerido como uma empresa da transformação do tomate – pois ainda bem que saiu.
Por mim, vinham todos: Ricardo Costa, Eliseu, Humberto Suazo, André Santos, Rúben Micael, Djalma, Babá. Vinham estes e, aliás, outros tantos – uma equipa toda nova, do género estágio de pré-temporada ao fim do qual só o filet mignon continuava. Foi aqui que o miserabilismo dos últimos anos nos deixou: rigorosamente no ponto zero. E, enquanto José Eduardo Bettencourt continuar a dar sinais de que o percebeu, terá o meu apoio. Que diabo: mesmo Sá Pinto terá o meu apoio, coisa que até há muito pouco tempo até a mim próprio me pareceria impensável.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 25 de Dezembro de 2009