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20 Novembro 2009

Não vale a pena escamoteá-lo: o Sporting vive uma situação transitória, de que não se deve pedir grande brilho. Consciente das expectativas dos associados (e, de resto, da fragilidade da sua própria posição, apesar de tão pouco tempo de presidência), José Eduardo Bettencourt chegou a pensar corresponder à necessidade de mudanças radicais. Tentou contratar André Villas-Boas, tentou contratar Luis Aragonês e acabou por contratar Carlos Carvalhal, a quem fez um contrato de sete meses e pôs a trabalhar sem apresentação nem nada. Não espera muito dele, no fundo – e o melhor que podemos desejar é que Carvalhal o surpreenda (a ele e a nós).

Mas há uma melodia neste processo que assusta. Ao tentar primeiro André Villas-Boas, um jovem de 32 anos e sem currículo, e logo a seguir Luis Aragonês, um idoso de 71 anos e campeão europeu de selecções, José Eduardo Bettencourt mostra claramente a atarantação que se vive em Alvalade. No essencial, e por muitas que fossem as esperanças no potencial de Villas-Boas para vir a transformar-se no “próximo José Mourinho”, não havia um perfil definido para o cargo de treinador. E isso não é grave: é gravíssimo. Porque, ao contrário do que há muito se pensa no Sporting, o treinador continua a ser a figura mais importante de um clube de futebol.
O treinador é juiz e é advogado, é carrasco e é coveiro ao mesmo tempo. Argumenta acima, exigindo mais meios, e argumenta abaixo, exigindo mais suor. Argumenta para fora, exigindo mais respeito, e argumenta para dentro, exigindo mais cooperação na luta contra quem está acima, contra quem está abaixo e contra quem está de fora – tudo entropias, tudo gente ignorante sobre a importância do momento em causa, tudo a meter poeira na engrenagem. O treinador é um general, é um psicólogo, é um maestro, é um líder sindical, é um pai. E qualquer projecto para a ressuscitação do Sporting (a escolha da palavra não é aleatória: o Sporting está em paragem cardio-respiratória e precisa de um desfibrilhador) passa pela escolha do treinador para 2010-2011.
O que não pode acontecer – não pode acontecer – é tentarmos contratar o treinador do último classificado da Liga portuguesa, na consciência de que se trata de uma pérola que no clube certo podia mudar tudo, e ficarmos 700 mil euros aquém do exigido. O que não pode acontecer – não pode acontecer – é tentarmos contratar um treinador de 71 anos, assumidamente interessado em regressar depressa ao trabalho (e, de resto, já habituado a trabalhar em clubes estrangeiros periféricos, depois da experiência no Fenerbahçe) e, aparentemente, o senhor nem sequer equacionar a disponibilidade (ainda por cima tratando-se de um clube sediado a cinco horas de carro de Madrid, sua cidade natal e de residência).
Temos motivos para celebrar a demissão de Paulo Bento e a tomada de consciência de que nem toda a gente, neste clube, está conformada com a inevitabilidade da “belenensização” (a escolha da palavra, mais uma vez, não é aleatória: “belenensização” pode ser termo antigo, mas faz mais sentido hoje do que nunca). A maior parte dos desafios, porém, ainda está à nossa frente – e, de resto, concentra-se no curto período de alguns meses. Eu diria que este é o meio ano mais importante da história deste clube. Mal gerido, pode simplesmente não sobrar mais nada.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 20 de Novembro de 2009


19 Novembro 2009

Passei a tarde de ontem a tomar notas. “Uma forma de dizê-lo é: foi preciso esperar dez anos para falharmos, finalmente, a final de uma grande competição. Outra é: bastou contratar Carlos Queiroz para falharmos, finalmente, a final de uma grande competição.”

Não o escondo: no momento da chegada de Queiroz, fiquei com a convicção de que Portugal não conseguiria chegar ao Campeonato do Mundo; ao longo dos pobres resultados e das paupérrimas exibições nos primeiros dois terços da fase de grupos, fiquei com a certeza quase absoluta de que Portugal não chegaria lá; após o inenarrável Portugal-Bósnia, de que apenas por milagre não saímos claramente derrotados (de resto, no nosso próprio terreno), fiquei com a impressão até de que o ideal era mesmo não ir à África do Sul, tal a humilhação a que nos arriscávamos.
Ontem, mudou muita coisa. Ao longo daqueles 90 minutos, risquei sucessivamente as acusações aos jogadores, as denúncias de incompetência do seleccionador, até as críticas ao jogo de equilíbrios de Madaíl. Em Zenica, e mesmo sem Ronaldo, Portugal foi muito do que não era desde Scolari.
Junto-me ao coro de celebração, pois. Mas não mudou tudo – nem, aliás, Portugal foi tudo o que já fora. E é bom que o projecto do “professor” não seja mesmo a dez anos. Bastam oito meses de projecto: o suficiente para uma participação condigna no Mundial. Quanto a mais do que isso, estou céptico. Chamem-me nomes.

COMENTÁRIO. Jornal de Notícias, 19 de Novembro de 2009

publicado por JN às 23:06

13 Novembro 2009

1. Vale a pena esquecer os excessos, passar por cima dos ajustes de contas e concentrarmo-nos no futuro, agora que Paulo Bento e Pedro Barbosa caíram? Sim e não. Vale a pena, por exemplo, dar uma segunda oportunidade a José Eduardo Bettencourt. Refém daquela impensada coisa do “forever”, Bettencourt passou as últimas semanas a espernear, com vícios de linguagem absolutamente inadmissíveis para alguém na sua posição – mas estava sob enorme pressão e não deve, provavelmente, ser alvo de mais do que de cartão amarelo. Com Paulo Bento, é diferente. No próprio dia em que acertou a rescisão com o Sporting, o treinador foi à TVI e disse uma coisa importantíssima que muito pouca gente escutou: “As pessoas [do Sporting] têm de saber o que querem e o que querem dizer aos adeptos.” Ou seja: ele sabia – e foi porque nós, eu e tantos outros, sabíamos que ele sabia que há muito tempo deixámos de condescender com ele. Ele sabia que o Sporting não tinha meios para ser campeão (ou sequer para defender-se ao nível da sua tradição). Ele sabia que o discurso oficial do clube, insistindo na tónica de que o Sporting era candidato ao título, era desonesto e injusto para com os sócios e os adeptos. Não obstante, nunca deu sinais de lutar internamente pelo reforço dos meios – e muito menos alguma vez ajudou a relativizar, para o público, essas supostas candidaturas. Mesmo tendo operado pequenos milagres, foi infinitamente culpado: por negligência, por omissão, por egoísmo. E é desconcertante que em tantas sondagens, estudos e votações, apareça agora como um mártir.

 

2. O fim da era Paulo Bento tem agora de significar uma mudança de discurso e de atitude, não apenas uma mudança de rostos. Ponto um: se o Sporting não pode ser campeão (ou se não o pode mais do que o Sp. Braga ou o V. Guimarães, por exemplo), é preciso dizê-lo claramente aos sócios e aos adeptos: “Estamos e vamos estar, pelo menos durante mais uns anos, ao nível do Braga. Aguentemo-nos.” Ponto dois: se o Sporting decidir assumir-se como candidato a campeão (não este ano, claro), então tem de acabar com o discurso das “dificuldades orçamentais” e fazer aquilo que qualquer clube moderno procura fazer, que é criar novas formas de rendimento em vez de gerir-se a si próprio como uma mercearia (ou seja: de controlar o orçamento pelo lado da receita também, e não apenas da despesa). E vai ter de mexer profundamente no plantel, primeiro na fase de Inverno, depois no próximo defeso. Para já, são urgentes dois laterais (um para cada lado), um defesa-central, um médio-ala direito e um avançado. Para o defeso, são essenciais um guarda-redes, mais um lateral-direito, mais um defesa-central, um médio-ala esquerdo e mais um avançado. Falo, em ambos os casos, de titulares indiscutíveis, não de suplentes em potencial. Para sair de imediato: Pedro Silva, Caneira, André Marques, Angulo e Saleiro. Nenhum deles tem condições para jogar no Sporting (repito: nenhum deles tem condições para jogar no Sporting). Para sair no Verão: Ricardo Baptista, Abel, Polga, Caicedo e Postiga. Impensável, tudo isto? Então sejam claros connosco: “Estamos e vamos estar, pelo menos durante mais uns anos, ao nível do Braga. Aguentemo-nos.”

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 13 de Novembro de 2009


06 Novembro 2009

Decididamente, é preciso falar de outra coisa. Olha: do tempo, por exemplo. Já me viram esta chatice? Então um tipo tem Verão até ao Pão Por Deus – e de repente, comidos os rebuçados, desaba este briol que não se pode? Não está certo. Não haver Verão de São Martinho, ainda por cima em ano de crise, só pode significar que também não há Deus. Razão tinha o Saramago.

Podíamos falar de futebol, claro. De associativismo. De paixão. De triunfo. Por acaso até me ocorrem algumas coisas para dizer. Mas não estou para voltar a ser acusado de terrorista. E, como diz o senhor professor Moniz Pereira, quem está mal que se mude: o Sporting é assim, vai continuar assim – e não serão os palpites dos sócios e dos adeptos, esses tipos sem importância, a influenciar o curso das coisas.
Como é que as coisas se vão passar a partir daqui? Eu explico. O Sporting vai empatar em Vila do Conde, mas, como conseguiu esta loucura de ter-se quase-qualificado na Liga Europa (ainda por cima depois de o treinador do Ventspills lhe ter chamado “uma equipa da Liga dos Campeões”, ó glória suprema), Paulo Bento tem balão de oxigénio interno para mais duas ou três semanas.
Depois há Pescadores da Costa da Caparica para a Taça. Ganhamos por um esmagador 3-0. Saleiro marca dois – e aí está novo balão de oxigénio: formação é connosco, consta até que o Blackburn Rovers já está atento ao miúdo. A seguir só volta a haver campeonato dia 29. Jogo com o Benfica, em Alvalade: empate 0-0. Afinal, eles não são tão fortes quanto isso – e nós não estamos assim tão mal, pois não?
Pois temos Paulo Bento até Dezembro. E depois Janeiro. E depois Fevereiro – e assim sucessivamente. Culpa dele? Não. Coitado: Paulo Bento já é tão vítima disto tudo quanto nós. Se alguém precisa de que o libertem do seu próprio penar, esse alguém é Paulo Bento – e nem isso José Eduardo Bettencourt faz. Pois contestá-lo para quê, se ele está só a cumprir o seu programa eleitoral?
Aliás, ainda no outro dia recebi um repto de uma série de consócios pedindo-me para subscrever uma moção para a contratação de Manuel Fernandes como novo treinador. E, por muito respeito que tenha por Manuel Fernandes (que é um excelente homem e um profissional dedicadíssimo), só posso achar que enlouquecemos todos – todos de uma vez. Não merecemos melhor.
Mais vale mudar de assunto, pois. Está visto que nada se altera. Nem estando a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas (a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas, meu Deus!) se altera o que quer que seja. Se alguém balbuciar: “Mas… mas… mas… nós estamos a doze pontos do Braga ao fim de nove jornadas…” é porque é terrorista – e pronto.
Aliás: se Liedson voltar a dizer que “os adeptos têm toda a razão”, até porque os jogadores do Sporting estão a jogar tudo “aquilo que sabem”, pois é terrorista também. E, se alguém ousar dizer que o Sporting só não perdeu com o Ventspills (é assim que se diz, “Ventspills”?) em casa porque foi milagrosamente favorecido pela arbitragem, nem sequer é apenas um terrorista: é Bin Laden em pessoa.
Portanto, falemos do tempo. Ou da crise. Ou da gripe. Isto da gripe é o diabo, não é?

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 6 de Novembro de 2009


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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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