ler mais...
25 Setembro 2009

À hora a que escrevo, ainda ninguém desmentiu as notícias de quarta-feira segundo as quais o Sporting planeia vender Vukcevic durante o Inverno. Esta tarde larguei o computador por uns segundos, só para ir meter uma lasanha congelada no micro-ondas, mas ao regressar percorri os sites todos, liguei a rádio e a televisão – e nada. Há bocado avistei de relance um senhor de cabelos brancos na televisão, mas era apenas um figurante da day time TV – e não José Eduardo Bettencourt convocando de urgência uma conferência de imprensa para chamar maluco aos jornalistas. Entretanto aqui estou, como um vegetal, a fazer refresh de dois em dois minutos à Lusa, ao Mais Futebol, aos jornais online todos. Não vou desistir: Bettencourt, Pedro Barbosa, Paulo Bento – alguém, seguramente, me vai desmentir essas notícias. Tenho a certeza, aliás, de que, quando for publicada, esta crónica já estará amplamente desactualizada.

Mas, só para o caso de ninguém dizer nada até hoje, sexta-feira, às oito e meia da manhã, altura em que tantos e tantos sportinguistas passam no quiosque para comprar o seu jornal, quero deixar no ar uma pergunta, que é a seguinte: “Hã?!” É que eu não devo estar a ler bem. O Sporting pretende vender Vukcevic durante o Inverno? Quer dizer: o Sporting pretende vender o seu jogador mais criativo a meio da temporada? Depois de ter prometido quatro contratações no início da época (quando deveria ter prometido dez) e de apenas ter feito duas (Fernández e Caicedo), juntando-lhe Angulo depois de vender Rochemback – o Sporting pretende esvaziar ainda mais o plantel? Para poupar dois milhões de euros, aforrar um deles e pegar no outro para trazer, meio à experiência, mais um analfabeto funcional a quem a própria bola faz confusão? E abdicando cínica e inapelavelmente do único jogador que ainda consegue mobilizar a Superior, mesmo que nem sempre a Superior se recorde do quão tonto ele é, às vezes, com o seu excesso de voluntarismo? Não: eu não posso estar a ler bem.
Mas, só para o caso de estar a ler bem, quero deixar no ar uma pergunta, que é a seguinte: “Estão a gozar connosco?” Quer dizer: a notícia é assim tão inverosímil que nem merece desmentido – ou, pelo contrário, é tão verdadeira que nem vale a pena disfarçar? Pois eu acho que nem uma coisa nem outra, sabem? Acho que a notícia não é propriamente verdadeira: é, antes, uma notícia de teste. Uma notícia veiculada por fonte suficientemente oficial para os jornalistas lhe reconhecerem credibilidade, mas também suficientemente anónima para poder ser deixada cair a qualquer momento – e, por esta altura, destinada, mais do que qualquer outra coisa, a avaliar a receptividade dos sócios e adeptos do Sporting a uma eventual venda de Vukcevic. Portanto, eu vou fazer um favor ao presidente: dizer-lhe, desde já, que os sócios e os adeptos do Sporting não reagirão bem à venda de Vukcevic – mas também que, se todos os restantes se calarem, ainda assim cá estarei eu para protestar, mesmo que solitariamente, durante tanto tempo quanto conseguir. Se há uma coisa que devo ao statu quo do meu clube, é isso: o facto de poder sentir-me, ainda que só um dia por semana, um incurável e romântico revolucionário. Mas não é por dever-lhe isso que o pouparei aos maiores impropérios que conseguir convencer a direcção do Jornal de Notícias a deixar-me publicar.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 25 de Setembro de 2009


18 Setembro 2009

1. E, pronto, ali estava eu, à porta da mercearia do Roberto, bebendo uma última cerveja com os homens da minha freguesia e testando argumentos para, em sede de crónica (esta, mais precisamente) desmontar aquilo que, apesar da euforia generalizada, me parecia apenas uma vitória absolutamente obrigatória. Experimentava eu: “Por outro lado, é preciso reconhecer que este Herenveen não existe. Parece o Vitória de Setúbal dos tempos do Carlos Azenha. A defesa é manteiguinha, manteiguinha…” E virava-se o Rufino: “Homem, está bem, mas ganhámos!” Voltava eu: “Vale-nos o Liedson. De resto, temos o quê? O guarda-redes dava um belo suplente. Os laterais não existem. Os segundos avançados nem para o Belenenses serviam…” E vinha o Jorge: “Mas, olha, ganhámos, foi bem bom!” Insistia eu: “Ainda por cima, a SAD obriga-nos a poupar nos tostõezinhos todos, mas depois apresenta este Relatório e Contas tristíssimo, que agora, ainda por cima, quer disfarçar com mais uma engenharia financeira? Comigo não, violão…” E atacava o Chico: “Pela tua saúde, Joel. Ganhámos!” Até que o meu pai, no meio da folia e igualmente eufórico, balbuciou a pergunta sacramental: “Como é que se chamava esta equipa mesmo? Era holandesa, não era?” E eu considerei que estava encontrado o argumento – e que, ao mesmo tempo, num simples parágrafo se resolvia a coisa. Este parágrafo.

 

2. A questão é que, entretanto, ainda me sobra algum espaço – e, portanto, mais vale usá-lo, que quando é ao contrário bastante me custa (e, de resto, o JN paga-me para isto). E, então, cai aqui que nem ginjas a carta que recebi por estes dias de um leitor um tanto zangado com a minha sátira da semana passada ao nono lugar do Benfica entre os maiores clubes europeus do século XX. O leitor era anónimo, mas auto-intitulava-se “Benfiquista” (e, como usou a maiúscula, deduzo que seja pelo menos alcunha). Diz portanto o sr. Benfiquista, todo arrogante, que a classificação da IFFHS faz todo o sentido e que, na verdade, não deviam chocar-me os factos de o Manchester United estar atrás do Benfica e o Anderlecht à frente do Manchester. Depois, e como se não bastasse, prova-o com dados concretos: o Anderlecht tem uma série de proezas internacionais e o Manchester chegou a estar na segunda divisão nos anos 30 e 70. E eu fiquei indignadíssimo com a demagogia. Quer dizer: então, mas nós agora, para falarmos de futebol, vamos ter de usar argumentos racionais? Então, mas nós agora, para falarmos de futebol, vamos ter de usar factos verificáveis? Qualquer dia estamos a usar a verdade, não? Por exemplo: a dizer que o Benfica está mais forte do que nós em tudo: no treinador, nos jogadores, na direcção desportiva, no orçamento…? Ou, já agora, a assumir que estamos peladinhos de medo de apanhá-los pela frente? Pois desengane-se, amigo Benfiquista: daqui não leva nada. Perceba uma coisa: a primeira metade da nossa época está resolvida (nós não ganhamos o campeonato), pelo que agora só falta resolver a outra (vocês também não ganharem). E não vai haver argumentos racionais nem factos verificáveis que se metam no caminho do nosso projecto. Pelo menos até Maio.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 18 de Setembro de 2009


11 Setembro 2009

Vejo um ranking internacional em que o Anderlecht aparece à frente do Manchester United e sei que chegou a altura de os benfiquistas celebrarem qualquer coisa. Ranking internacional em que o Anderlecht apareça à frente do Manchester United, suponho, é para isso mesmo: para abrir espaço a novas e inusitadas perspectivas sobre a realidade. Ou mesmo novas realidades. Realidades paralelas.

É claro que escrever o título “O Benfica É O Nono Maior Clube da Europa”, como todos os jornais deverão fazer hoje, não é uma nova e inusitada perspectiva. Há muito tempo que os benfiquistas reclamam o seu clube como o nono, o sétimo, o quinto, o terceiro, o primeiro maior clube da Europa – e há muito tempo que os jornais estimulam esse triunfalismo, convictos (talvez não sem alguma razão) de que mais vale a malta estar contente do que estar triste.
Mas escrever “O Benfica É O Nono Maior Clube da Europa” e poder, em defesa desse argumento utilizar o nome da Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS) já é uma nova e inusitada perspectiva. Bem vistas as coisas, parece quase verdade – e, se o Manchester United fica atrás do Anderlech (e de resto ambos atrás do Benfica), isso é só um pormenor.
Para a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, que aliás também me disse uma vez que o Sporting fora o maior clube do mundo durante um mês ou dois (já que se fala em realidades paralelas, isto é), o ranking dos maiores clubes da Europa define-se através da valoração das vitórias e empates nos jogos das competições Europeias, incluindo (por esta ordem de importância) a Taça/Liga dos Campeões, a Supertaça Europeia, a Taça das Feiras/UEFA, a Taça das Taças, a Taça Mitropa e a Taça Latina.
Constrangido com a presença da Taça Mitropa e da Taça Latina na lista? Então prepare-se para mais um constrangimento: ganhar uma final não conta nem mais nem menos um pontinho do que ganhar um jogo da primeira mão da respectiva taça. Uma vitória é uma vitória – eis uma espécie de novo marxismo aplicado aos domínios dos palmarés, dos rankings e dos debates de segunda-feira de manhã sobre quem tem um pénis maior (e quem tem um mais funcional).
Resultado: o Benfica foi o nono maior clube da Europa no século XX. O Anderlecht ficou à frente do Manchester United. E o Vitória de Setúbal ficou em 110º. Estão a ver todos os clubes da Europa? Todos os clubes de Espanha e de Itália e de Inglaterra e da Alemanha e da França e da Holanda e tudo o mais? Pois o Vitória de Setúbal foi o 110º entre todos eles.
Tanto quanto me diz respeito, esta Federação Internacional de História e Estatística do Futebol é mais ou menos como a nossa Entidade Reguladora da Comunicação Social: passa a vida fechada na sua torre de marfim, alheada da realidade, e depois tem de emitir uns comunicados, umas classificações e umas manifestações de preocupação óbvia para dar sinais de vida. Pois está completamente enganada – e, aliás, precisa de rever os seus critérios. Quer dizer: o Benfica até pode ter sido o nono melhor clube da Europa no século XX, mas foi seguramente um dos cinco melhores do mundo.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 11 de Setembro de 2009


04 Setembro 2009

O Vitória de Setúbal foi vítima de uma das maiores humilhações do futebol português nas últimas duas décadas – e, em parte, a culpa é de Carlos Azenha. Posto perante a escassez de recursos do clube, Azenha decidiu fazer de Paulo Bento: baixou a cabeça, salvaguardou o seu próprio emprego e pôs-se a avaliar jogadores baratinhos. Mais de 60 deles, entre portugueses e estrangeiros – mas, sobretudo, quase todos jovens à procura do primeiro contrato ou gente desempregada disposta a jogar pelo mínimo indispensável.

Correu mal, claro. Levar 8-1, mesmo do Benfica, é uma pequena tragédia. Levar 8-1 como o Vitória levou é uma catástrofe de proporções bíblicas. Para nós, inimigos figadais do campeão antecipado, é chato: lá temos de ficar mais três semanas (ainda por cima há paragem do campeonato, caramba) a ver o adversário celebrar mais um título ganho em Setembro. Para os adeptos vitorianos, porém, é muito pior. O Vitória não só foi goleado como nem por um momento teve hipóteses de sair daquele jogo de outra maneira que não goleado.
E eu acho que isso se deve àquilo que eu gostava de baptizar aqui, hoje e perante toda esta audiência, de “Sindroma Paulo Bento”. Anos e anos de discurso miserabilista começam, enfim, a fazer escola. Hoje em dia, pega-se num diário desportivo e aí estão eles, os clones de Paulo Bento: “Somos pobrezinhos”, “Temos de apostar mais na formação”, “É fundamental os sócios perceberem que o clube não tem condições financeiras”, “O futebol é um negócio falido e nós não somos excepção”... É assim no Alentejo e em Trás-Os-Montes. É assim em Fornos de Algodres, em Freixo de Espada à Cinta e em Cromeleque dos Almendres.
É assim e não devia ser. Porque a tarefa de um treinador não é mimetizar o discurso da direcção do clube. Para conter custos, sim: estão lá o presidente e os vice-presidentes, o director desportivo e os outros directores todos. Treinador é outra coisa. Treinador é desejo. Treinador é ousadia. Treinador é risco. E, portanto, treinador é exigência. Exigência para baixo e exigência para cima. Exigência aos jogadores, obrigados a darem o melhor de si em cada momento. E exigência aos dirigentes, instados a dotarem a equipa de futebol de todos os recursos de que for humanamente possível dotá-los.
Só há uma maneira de isto funcionar: é em tensão. Ora, Carlos Azenha percebeu-o a tempo: chegou aos últimos dias de Agosto, conferiu que o Vitória não tinha hipótese nenhuma de manter-se na Liga Sagres e deu um murro na mesa. Em dois ou três dias, recebeu quatro jogadores. Paulo Bento, pelo contrário, não percebeu nada: chegou aos últimos dias de Agosto, confirmou que o Sporting não tinha hipóteses nenhumas de ser campeão e não pediu outra coisa senão um jogador para o lugar de Izmailov (e abdicando de Rochemback, naturalmente).
O resultado é simples: o Vitória talvez se safe; o Sporting, infelizmente, não será nunca campeão. Afinal, Paulo Bento só há um. Talvez não chegue para patentear um verdadeiro sindroma. Mas, de qualquer maneira, não me parece que ele já tenha desistido de espalhar o vírus.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 4 de Setembro de 2009


subscrever feeds
pesquisar neste blog
 
joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
nas redes sociais

livros

"O Terceiro Servo",
ROMANCE,
Editorial Presença,
2000
saber mais...


"O Citroën Que Escrevia
Novelas Mexicanas",
CONTOS,
Editorial Presença,
2002
saber mais...


"Al-Jazeera, Meu Amor",
CRÓNICAS,
Editorial Prefácio
2003
saber mais...


"José Mourinho, O Vencedor",
BIOGRAFIA,
Publicaçõets Dom Quixote,
2004
saber mais...


"Todos Nascemos Benfiquistas
(Mas Depois Alguns Crescem)",
CRÓNICAS,
Esfera dos Livros,
2007
saber mais...


"Crónica de Ouro
do Futebol Português",
OBRA COLECTIVA,
Círculo de Leitores,
2008
saber mais...

arquivos
2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D