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28 Agosto 2009

Diz Paulo Bento que a eliminação perante a Fiorentina, tendo em conta nomeadamente as tropelias do árbitro do jogo da primeira mão, é “uma coisa que dói”. Verdade. Diz Miguel Veloso que os jogadores do Sporting “fizeram tudo para chegar à Champions League”. Verdade também. “Diz Rui Patrício que, tendo em conta a forma como as coisas correram, o mínimo que o Sporting pode impor-se como objectivo, agora, é ganhar a Liga Europa. Verdade, verdade, verdade.

E, no entanto, não há sportinguista que, no meio do actual turbilhão de lamentos e de protestos e de suspiros de auto-justificação, não seja assaltado pela impressão de que o Sporting jogou contra a Fiorentina exactamente aquilo que a Fiorentina deixou que o Sporting jogasse. De que a Fiorentina nunca jogou mais do que o rigorosamente necessário para ultrapassar o Sporting. De que a eliminatória nunca esteve em causa – e de que, de resto, sempre que a eliminatória pareceu estar em causa, bastou à Fiorentina acelerar um nadinha para resolver o problema em cinco minutos.
No essencial, o balanço é este: o Sporting fez o sexto jogo consecutivo nas competições europeias sem ganhar; o Sporting está fora da Liga dos Campeões e já cinco pontos atrasado em relação ao líder no campeonato nacional; e o Sporting ainda não ganhou um jogo que fosse este ano (a não ser um particular com o Atlético do Cacém que nos fica mais mal recordar do que ignorar). Isso, sim, é verdade, verdade, verdade – e isso não há elogios do treinador da Fiorentina, euforias dos relatores da rádio ou justificações dos comentadores da televisão que consigam escamotear.
E a razão por que isto acontece é a mais clássica de todas: o Sporting não tem jogadores. No banco, não há alternativas; em campo, não há soluções. Do actual onze do Sporting, apenas dois ou três jogadores têm efectivamente condições para vestir semanalmente uma camisola daquela dimensão: João Moutinho (que, aliás, sempre esteve um tanto sobreavaliado), Matias Fernández (e só a espaços, para já) e Liedson (embora, desde que é português, esteja “demasiado” português). De resto, há umas esperanças: Rui Patrício, Daniel Carriço, Miguel Veloso, Adriem. E, tirando os dois lesionados recorrentes (Vukcevic e Izmailov), não há mais nada.
É curto. Curtíssimo – e, se pode chegar para dois jogos razoáveis contra a Fiorentina, embora com o adversário a controlar as coisas à distância, não chegará nunca para um campeonato nacional. Enfim, pode ser que se alinhem persistentemente os astros nas eliminatórias da Taça de Portugal e/ou da Taça da Liga. Por outro lado, o problema é que, se ganharmos uma taça, qualquer que ela seja, já temos desculpa para perder mais dois ou três campeonatos.
Para José Eduardo Bettencourt, isto chega. Para Paulo Bento e Pedro Barbosa, também. Para mim, não.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 28 de Agosto de 2009


21 Agosto 2009

Esta semana estamos em lua de mel com o Sporting – e, até certo ponto, há razões para isso. Tirando o absurdo do gesto individual de Vukcevic, cujo talento excede amplamente a inteligência, o Sporting jogou bem contra a Fiorentina. Mostrou um desejo que há muito não se lhe via, provou que também é capaz de contratar bons jogadores (Matias Fernández deve ser a melhor contratação desde Liedson) e, no fim, apenas empatou porque foi clara, desgraçada e persistentemente prejudicado pelo árbitro, que o perseguiu do primeiro ao último minuto com más decisões técnicas, péssimas decisões disciplinares e uma terrível gestão do relógio.

Mas não nos deixemos enganar: este fim-de-semana estaremos de volta ao desmazelo e, inevitavelmente, à incompetência. E, se não for este fim-de-semana, é na terça-feira. E, se não for na terça-feira, é no fim-de-semana seguinte. Não era assim Pedro Barbosa: um jogador capaz de arrancar um grande jogo por mês, mas depois afundando-se progressivamente no lodo da negligência, da falta de vontade e da alienação? Pois assim é o Sporting de hoje. Não de hoje, 21 de Agosto de 2009: de hoje, segunda metade da primeira década do século XXI. Uma equipa para a qual, se der, deu; se não der, não deu. Uma equipa exactamente à imagem do jogador que um dia foi o seu actual director desportivo.
Temos subvalorizado o papel de Pedro Barbosa no Sporting. Silencioso, quase obscuro, Barbosa está a quilómetros do estatuto de superstar de que Rui Costa goza no Benfica. E, no entanto, passa tudo por ali. Passa e continuará a passar enquanto Miguel Ribeiro Teles, com conhecimento limitado do jogo, continuar a tutelar a pasta do futebol. É a Pedro Barbosa que a Direcção, interessada principalmente em assegurar o saneamento financeiro do clube, pergunta, logo no início da época (ou seja, no tempo das contratações), se quatro segundos lugares consecutivos chegam para satisfazer os adeptos. E é Pedro Barbosa, que como jogador nunca procurou outra coisa senão essa curta glória, que lhe diz que sim. Entretanto, cá em baixo, Paulo Bento agradece: menos meios podem significar menos resultados, mas também significam menos exigência – e, portanto, o mandato vai-se prolongando.
Eu gostava de ver como era se o FC Porto ficasse quatro anos seguidos em segundo lugar no campeonato. Seria isso considerado um bom resultado? Aliás: eu gostava mesmo de ver se próprio o Benfica ficasse quatro anos seguidos em segundo lugar no campeonato. Mesmo tendo feito pior nos últimos anos, consideraria o Benfica esses quatro segundos lugares um bom resultado? Pois claro que não. Já no Sporting, isso chega. No fundo, o que nos dizem é que somos o mais pequeno dos clubes grandes. E eu continuo determinado a não aceitar isso. Mesmo depois de Pedro Barbosa e a sua atmosfera negligé quase terem conseguido reduzir a pó a resistência de tanto vencedor nato.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 21 de Agosto de 2009


13 Agosto 2009

O FC Porto e o Benfica estão muito mais fortes do que o Sporting, e eu posso dizê-lo à vontade. O presidente do Sporting não pode. Se o fez porque efectivamente acredita que o Sporting é de longe o mais frágil dos três supostos candidatos ao título, é mau sinal: significa que o plantel está suficientemente fraco para que o argumento colha. Se o fez para retirar pressão sobre a equipa, é pior ainda: significa que ainda não percebeu que, se há uma coisa de que Paulo Bento e os seus jogadores bem precisam, é de alguma pressão.
Neste momento, a exigência a que o Sporting é submetido é igual a zero. Os adversários não esperam muito dele. Os jornais esperam pouco mesmo. Os adeptos não esperam nada. E este não é apenas o maior problema que o clube vive neste momento: é verdadeiramente o mais estrutural dos seus muitos problemas. Há quinze anos, o Sporting estava falido, desactualizado e sem rumo. Agora, não está nenhuma das três coisas: actualizou-se, começa a dominar a sua situação financeira e, aparentemente, encontrou um rumo. Mas esse rumo leva-o para longe da realidade. O Sporting, neste momento, não é um clube de futebol: é uma empresa. Uma fábrica. A laborar lá longe, em Alcochete, onde treinador e jogadores têm cada um o seu próprio quarto, com internet wireless, minibar e televisão por cabo – e onde nenhum adepto pode entrar para chamar-lhes nomes.
Eu acho que João Moutinho e Liedson e Rochemback e Polga  e Paulo Bento precisam que se lhes chame nomes. Precisam de conhecer os rostos daqueles que lhes chamam nomes. E precisam de saber os nomes daqueles que lhes chamam nomes. Manuel Rodrigues, pedreiro de Montalegre. Paulo Jorge Fonseca, técnico de informática de Armação de Pêra. Dalila Pereira, profissional de seguros do Porto. André Corte Real, gerente bancário de Lisboa. As pessoas que se angustiam todos os dias com isto têm nomes. As pessoas que aos sábados à noite se sentam ao frio do estádio têm nomes. Na última meia década, foram ostensivamente ignoradas: nem discurso havia. Este ano, são tratados como massa informe, o que é exactamente a mesma coisa: há discurso, mas não há acção.
O problema é este: o Sporting está igualzinho. E o mais cómico é que ninguém tenha percebido que era isso que a palavra “continuidade” queria dizer: que ia ficar igualzinho.

CRÓNICA DE FUTEBOL. Jornal de Notícias, 13 de Agosto de 2009


08 Agosto 2009

Quatro anos de pancada nos responsáveis do Sporting, incluindo Soares Franco e Paulo Bento, deixaram-me com medo de morder a própria língua. De maneira que foi de coração aberto que rumei na semana passada a Alvalade, para assistir ao Sporting-Twente. Sim: eu sabia que o miserabilismo das épocas anteriores se mantivera durante a elaboração do plantel para a nova temporada. Sim: eu já percebera que isso de José Eduardo Bettencourt ter começado a apelar à emoção representava apenas uma mudança de discurso, não de políticas. Sim: eu não tinha qualquer ilusão quanto à possibilidade de um grupo de jogadores que há dois ou três anos se vinha mostrando desprovido de génio e de força ter, entretanto, engolido a poção mágica de Astérix. Mas esperava, pelo menos, alguma ambição. Alguma vontade, algum empenho – algum, vá lá, do sonho cultivado pelos sócios que se deixaram encantar com a nova linguagem oficial. E não o encontrei.
Não o encontrei nem vou encontrá-lo. Escrevo antes de concluída a pré-eliminatória da Liga dos Campeões, mas sei que nem uma vitória esmagadora na Holanda mudaria o que quer que fosse. Eu li os jornais do defeso e vi os jogos da pré-época. Mais do que isso: eu tenho muitos defesos e muitas pré-épocas acumulados na memória. E sei duas coisas. A primeira é que o Sporting não tem jogadores: não tem um lateral que seja, precisa de pelo menos um central de categoria, não pode dispensar uma solução suplementar para cada uma das alas – e, de resto, quanto ao ataque, ainda vamos a ver o que vale Caicedo. A segunda, e muito mais importante, é que o Sporting não tem desejo. Tanto colectiva como individualmente, virou uma coisa penosa: um monte de gente a quem disseram que era preciso meter um golo, mas que não chega sequer a perceber porque é que isso de meter um golo é tão importante. Quem olha a partir daqui, início de Agosto, são mais nove meses iguaizinhos aos últimos anos: frustração atrás de frustração, um ou outro brilharete para disfarçar, mais frustração atrás de frustração. E, tanto quanto posso prever, ainda bem que Jorge Jesus já não está no Sp. Braga, que assim sempre temos a corrida ao terceiro lugar menos dificultada.
Obama pode anunciar o fim da crise quantas vezes quiser: a crise do Sporting, aquela que é sua e de mais ninguém, continuará. Porque não é económica, é estética. O Sporting que esta dinastia inventou apaixonou-se pela imagem do aristocrata falido. Acha-a charmosa, até elegante, seguramente superior. E cultiva-a. Não contrata jogadores nem se mistura com quem os contrate. Se pudesse, inventava mesmo um campeonato só para si: um campeonato em que seria sempre campeão e último classificado ao mesmo tempo – um campeonato, aliás, em que não haveria campeão nem último classificado, apenas um grupo de garbosos rapazes que dão sempre o seu melhor, mas que, de qualquer maneira, um dia destes vão ter de acabar com a brincadeira, pois há muitos negócios para gerir. Sim: José Roquette e Dias da Cunha e Filipe Soares Franco e José Eduardo Bettencourt e a maioria dos senadores que os acompanharam ao longo destes quinze anos não fizeram outra coisa senão transformar o Sporting naquilo que ele havia conseguido evitar ser durante décadas: um clube de queques. Um country club orgulhoso do seu ténis e do seu golfe e do seu bridge, mas persistentemente derrotado ao ténis, ao bridge e ao golfe por esses clubes arrivistas que nunca perceberam o que significam o ténis, o bridge e o golfe e se põem, tontos, a cultivar o mérito, essa estúpida mundanidade.
No meio, está Paulo Bento. Contente, talvez até orgulhoso, o que é o mais triste de tudo. No country club onde trabalha, não passa do professor de ténis – e ao professor de ténis de um country club, já se sabe, não resta outro destino senão ser desejado pelas senhoras e, no fim, exemplarmente castigado pelos homens. Cá em baixo, entretanto, espera-o a massa informe. Os sócios. A princípio, haviam-no visto como uma esperança: um de entre eles que, a certa altura, é chamado ao convívio do Olimpo. Mas foi ele o rosto da derrota e do desespero – e o seu corpo há-de ser arrastado pela vila, a reboque de uma carroça. E, então, os senadores voltarão a receber a aclamação do povo, que no fundo nunca perdeu a disponibilidade para dar a vida por ele. Na verdade, isto não é um sistema novo: funciona há milhares de anos em muitos lugares do mundo. E, embora ele quase nunca tenha trazido mais do que a fome e o ranger de dentes, sabe deus como à metade de cima desse sistema nunca faltou pão na mesa.

CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós"). NS', 8 de Agosto de 2009

publicado por JN às 22:56
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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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