Houve um tempo em que, para mim, o futebol também era isto: a possibilidade de fazer um segundo “balanço do ano”. Em Dezembro faziam-se as contas às tragédias planetárias, às figuras portuguesas, às finanças pessoais. Em Junho faziam-se as contas aos títulos ganhos, aos reforços prometidos, às esperanças cultivadas. Português e sportinguista, raramente me restava grande balanço. Mas, bem vistas as coisas, havia sempre uma mão para lavar a outra. Dinheiro, nunca tinha – mas, apesar de tudo, as grandes tragédias ocorriam fora de Portugal. Títulos, também não – mas, mesmo assim, restava sempre a esperança.
Nada disso aconteceu este ano. O mundo vai às cambalhotas, o país também. Há tragédias, há recessão, as figuras a quem entregámos o nosso destino já nos pareceram bem mais fiáveis do que antes – e, ainda por cima, desde há dois anos que virou moda chover até Junho. Entretanto, a outra mão está suja também. Pelo menos a minha. O Sporting foi a tristeza a que já nos vamos habituando. A selecção vai, como se previa a partir da contratação de Carlos Queiroz, pelas ruas da amargura. Pauleta, o único futebolista que me emocionou nas últimas décadas, pendurou as chuteiras. E o Santa Clara, que dominou a Liga Vitalis durante boa parte da temporada, acabou por não conseguir regressar à primeira divisão.
Às vezes apetece-me pedir que o mundo seja menos mundo, que Portugal seja menos Portugal, que o Sporting seja menos Sporting – e, aliás, que o futebol seja menos futebol. É tudo tão cinzento, tudo tão triste, que um homem chega a desejar que o ano e que a época não acabem nunca, de forma a não ter de fazer balanços – e que, aliás, o ano e a época seguintes não comecem nunca também, de forma a não ter de dizer a si próprio que não vale a pena ter esperança. É por isso, suponho, que vão triunfando livros como os de Paulo Coelho, palestras como as do senhor Al Gore ou partidos como os do doutor Rui Marques e da doutora Laurinda Alves. Ou muito me engano, ou os leitores de Paulo Coelho, os ambientalistas apressadinhos e os eleitores (?) do MEP são todos portugueses e sportinguistas: estão desesperados e precisam urgentemente de acreditar em alguma coisa.
O meu clube vai hoje a eleições. No FC Porto estão contratados Pereira e Maicon. No Benfica fala-se de Shaffer e Gomi. No Sporting sabe-se que são precisos “reforços”, mas nem nomes existem ainda. Se algum nome ouvimos nos últimos tempos, foi o de Diego Batista, um miúdo de Esposende de nove (9) anos, que se instalou na Academia de Alcochete como potencial futura estrela. Quanto ao resto, ficamos à espera das sobras e do “custo zero”. Nem sequer a renovação de Liedson foi concretizada. E isto em semana de eleições: precisamente quando os candidatos (e os próprios regimes) mais pressionados deveriam sentir-se a fundar a esperança. Sim, o Sporting é de facto um clube diferente. Mas, por esta altura, não consegue provar que seja diferente para melhor – e, aliás, nem sequer se preocupa com isso.
Esta coluna interrompe-se agora, para férias. Bem gostaria eu de estar aqui a falar-vos dos reforços do Sporting e das nossas muitas expectativas para a próxima temporada. Acontece que já ouvi falar de apenas “dois médios e um avançado” – e sei que, a menos que se trate de Kaká, Messi e Cristiano Ronaldo, dois médios e um avançado não chegam. Resta-me o balanço do ano. E quão deprimente é ele…
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 5 de Junho de 2009