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22 Maio 2009

E, pronto, está confirmado: afinal, não vai haver eleições no Sporting. Meses e meses de discussão foram insuficientes para produzir dois candidatos pelo menos vagamente equiparáveis. Do ponto de vista democrático, nada a assinalar: comparados com as cooptações, cripto-cooptações e meta-cooptações de Pedro Santana Lopes, José Roquette, Dias da Cunha e Filipe Soares Franco, os moldes em que ocorre a chegada de José Eduardo Bettencourt à presidência do Sporting são um bálsamo de frescura. Mas é pena, ainda assim, que nenhuma possibilidade seja dada aos sócios de verdadeiramente escolherem entre dois projectos distintos. Desta maneira, não se trata propriamente de eleições – e muito jeito dará ao próprio Bettencourt, se Dias Ferreira efectivamente não avançar (como quase de certeza não avançará), que Paulo Cristóvão continue na corrida, a ver se a coisa ao menos se assemelha a uma disputa.
José Eduardo Bettencourt será, pois. O homem do regime (um regime com 15 anos, note-se), o homem que introduziu o termo “custo zero” no universo do Sporting, o homem que vendeu Quaresma e Cristiano Ronaldo antes do tempo. Mas também o homem que recuperou José Manuel Torcato e Manolo Vidal, o homem que saiu ao encontro de uma Juve Leo enfurecida, o homem que contratou Jardel. O homem que fez do Sporting campeão nacional. E sobretudo o homem que, não só armou uma cilada a Pedro Souto, como armou uma cilada ao próprio Filipe Soares Franco. De ambos ouviu Bettencourt um convite a uma candidatura em parceria – e a ambos respondeu Bettencourt que nem pensar, que tinha mais o que fazer, que isto do futebol era só uma perninha, que tinha cinco filhos, que o Santander é que era. Até que decidiu avançar. Correndo o risco, inclusive, de passar uma série de anos a ganhar metade do que ganhava (embora  já tenha garantido, para mais tarde, um convite do BES).
Por mim, aposto tudo naquela cilada a Filipe Soares Franco. Na minha visão esperançada, é ela que lança luz sobre todo o percurso de Bettencourt ao longo dos últimos sete anos. Bettencourt entrou. Bettencourt investiu. Bettencourt foi campeão. Bettencourt vendeu as estrelas. Bettencourt instaurou o “custo zero”. Bettencourt saiu. Bettecourt recusou regressar com nomes mais fortes do que o dele. Bettencourt volta, enfim, como pose de messias. Vai ser o segundo presidente remunerado da nossa história e o primeiro remunerado a sério. Por mim, perfeito: o presidente de uma SAD deve ser remunerado – e, aliás, bem remunerado (com bem mais do que os € 400 mil/ano de que se fala na imprensa de ontem). Mas, mais do que isso, será o nosso primeiro presidente produzido em laboratório. No seu próprio laboratório, aliás: sete anos de aturada e solitária determinação a construir o mito, a fundar necessidades, a afastar-se na bruma e a regressar qual Dom Sebastião. É assim que, para já, eu quero vê-lo. E, vendo-o assim, até a continuação de Paulo Bento parece de repente uma aposta tolerável. Sim, Alex Ferguson também passou uma série de anos sem ganhar no Manchester – e, sim, talvez ao fim de quatro anos Paulo Bento já tenha aprendido a relacionar-se com os jogadores criativos.
Conta-quilómetros a zero, portanto. Viva José Eduardo Bettencourt. Viva Paulo Bento. Viva o Sporting. Mas estejamos atentos. A partir daqui, e em caso de novo fracasso, o famigerado “regime” não estará apenas morto: já federá a podre.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). 22 de Maio de 2009

publicado por JN às 07:35

15 Maio 2009

Já aqui o disse antes: a última coisa de que os sportinguistas querem agora ouvir falar é do futuro. Do futuro – e nomeadamente de um futuro que nunca chega – já estamos todos nós cheios. Queremos presente. E, querendo presente, estamo-nos (deixem-me usar a linguagem em vigor na Assembleia da República) marimbando para os chamados “jogadores jovens”. Jogador jovem é coisa do futuro. Para o futuro. Já se sabe que, de cada vez que promovemos um, vamos passar mais dois anos só à espera de que encontre o seu lugar em campo.
E, no entanto, é tontice sequer considerar a renovação do contrato de Derlei. Derlei foi um bom jogador de futebol. Falhou no Benfica, mas no Benfica é mesmo assim: quem é bom falha, quem não presta acerta (e, aliás, acerta apenas durante aquelas duas ou três semanas de que a benficagem e a imprensa afecta necessitam para lançar o foguetório que havíamos reservado para celebrar, um dia, a chegada do homem a Marte). Mais: Derlei ainda tem apenas 33 anos, menos dois do que Ryan Giggs ou Javier Zanetti, que vão renovar respectivamente pelo Manchester e pelo Inter – e menos seis, de resto, do que tinha Paolo Maldini quando assinou o último contrato pelo Milan.
Acontece que Derlei já não consegue disputar uma bola sem dar pancada. É honesto, voluntarioso, empenhadíssimo. Quem nos dera a nos ter tido, ao longo destas últimas quatro épocas de depressão, mais sete ou oito como ele (tivemos só Moutinho e Liedson, infelizmente). Mas já não tem, por esta altura, as condições necessárias para jogar no Sporting. E o Sporting tem de limpar o plantel. Não de escroques, que não os há (muitos), mas de jogadores abaixo dos mínimos exigíveis a um jogador do Sporting. O Sporting precisa de um novo presidente. O Sporting precisa de um novo treinador. Mas o Sporting também precisa de novos (como é que se diz?) intérpretes.
O máximo que o Sporting deveria fazer por Derlei, e como sinal de gratidão pelos seus bons serviços, era deixá-lo em banho-maria para uma eventual entrada na equipa técnica da próxima temporada. Derlei tem uma influência positiva nos jogadores que com ele trabalham, segundo garantem muitos companheiros – e, nesta altura de reconstrução, será importante haver entre os treinadores alguém cuja principal incumbência seja a de pedir dedicação à causa. Mas em todo o caso, e por favor, não se ponham também a contratar já os adjuntos que devia ser o próprio Luiz Felipe Scolari a escolher…

PS: deliciosa, a história de uma eventual candidatura de José Veiga ao Benfica. Pinto da Costa ainda há-de conseguir deixar um portista na presidência de cada um dos clubes adversários. Se efectivamente se aproxima o fim do seu ciclo (eu não acredito, mas de dois em dois anos alguém diz que sim), pode ser essa a sua última grande medida: a assinatura definitiva do mestre numa obra absolutamente perfeita.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 15 de Maio de 2009

publicado por JN às 07:37

08 Maio 2009

O melhor projecto é o de Pedro Souto, que tem a estratégia, os apoios e o know how suficientes para devolver o Sporting à dimensão que ele merece. A melhor imagem é a de Rogério Alves, que tem a notoriedade, o apreço dos media e a experiência pública necessárias à comunicação desse projecto. O melhor discurso é o de Paulo Cristóvão, o único que verdadeiramente se tem preocupado em falar na urgência de reconduzir o clube aos sócios. E a melhor história é a de Abrantes Mendes, que foi, deles todos, o que primeiro olhou para este deplorável marasmo, esticou um dedo e disse: “Basta!”
Por mim, era uma lista só: Rogério Alves na presidência do clube, Pedro Souto na SAD, Paulo Cristóvão na comunicação interna (incluindo núcleos e filiais) e Abrantes Mendes na Assembleia Geral. O Sporting, nem é preciso dizê-lo, precisa de união. Precisa de união e de sinais claros dessa união. E, se este chavão, não chega, cá vai outro: todos seremos poucos. Por alguma razão os chavões existem: são, regra geral, absolutamente verdade – e apenas por excesso de evidência os intelectuais lhes resistem. O Sporting precisa de mudar. De mudar muito. E do outro lado – do lado dos que não querem que mude – há demasiadas forças, demasiados “notáveis”, demasiada tradição.
É uma oportunidade histórica. Imagine-se que, desta vez, até temos eleições. Eleições a sério: não cooptações, não sucessões dinásticas – nem sequer eleições forjadas para validar cooptações e sucessões dinásticas. E temos, aliás, uma massa associativa sedenta de mudança. Os sócios jovens e urbanos, que povoam as empresas e lêem os diários de economia, continuam a falar de dinheiro, de formação, de razoabilidade e novamente de dinheiro. Mas o Sporting, acredite-se ou não, está longe de esgotar-se nessa modesta elite papagueante à qual um golo de Liedson não provoca maior vertigem do que uma oscilação do PSI-20. O Sporting é um clube com implantação popular. Ainda o é, apesar dos esforços desta bafienta corte que o assaltou durante uma série de anos. E o povo quer títulos. Quer sair à rua e celebrar títulos.
Tudo o resto é... Bom, agora que penso nisso, quase tudo o resto é Menezes Rodrigues. E Menezes Rodrigues é curioso: começou como uma figura menor, um pouco à maneira dos velhos directores de departamento, e entretanto ficou tanto tempo que acabou por conseguir comprar para si próprio o estatuto de “notável”. Que não queira uma candidatura de Rogério Alves, é mais do que compreensível: Rogério Alves representa, até certo ponto, o fulgor de juventude de que a velha guarda sempre desdenha. Mas isso é o menos. O que é superlativamente sintomático é que seja precisamente nas mãos dele que a “posição” leonina se tenha colocado. Nas dele ou – imagine-se – nas de Dias Ferreira (e com este “imagine-se” já digo tudo o que me apraz dizer sobre essa hipótese).

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 8 de Maio de 2009
 

publicado por JN às 07:39

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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