E, pronto, está confirmado: afinal, não vai haver eleições no Sporting. Meses e meses de discussão foram insuficientes para produzir dois candidatos pelo menos vagamente equiparáveis. Do ponto de vista democrático, nada a assinalar: comparados com as cooptações, cripto-cooptações e meta-cooptações de Pedro Santana Lopes, José Roquette, Dias da Cunha e Filipe Soares Franco, os moldes em que ocorre a chegada de José Eduardo Bettencourt à presidência do Sporting são um bálsamo de frescura. Mas é pena, ainda assim, que nenhuma possibilidade seja dada aos sócios de verdadeiramente escolherem entre dois projectos distintos. Desta maneira, não se trata propriamente de eleições – e muito jeito dará ao próprio Bettencourt, se Dias Ferreira efectivamente não avançar (como quase de certeza não avançará), que Paulo Cristóvão continue na corrida, a ver se a coisa ao menos se assemelha a uma disputa.
José Eduardo Bettencourt será, pois. O homem do regime (um regime com 15 anos, note-se), o homem que introduziu o termo “custo zero” no universo do Sporting, o homem que vendeu Quaresma e Cristiano Ronaldo antes do tempo. Mas também o homem que recuperou José Manuel Torcato e Manolo Vidal, o homem que saiu ao encontro de uma Juve Leo enfurecida, o homem que contratou Jardel. O homem que fez do Sporting campeão nacional. E sobretudo o homem que, não só armou uma cilada a Pedro Souto, como armou uma cilada ao próprio Filipe Soares Franco. De ambos ouviu Bettencourt um convite a uma candidatura em parceria – e a ambos respondeu Bettencourt que nem pensar, que tinha mais o que fazer, que isto do futebol era só uma perninha, que tinha cinco filhos, que o Santander é que era. Até que decidiu avançar. Correndo o risco, inclusive, de passar uma série de anos a ganhar metade do que ganhava (embora já tenha garantido, para mais tarde, um convite do BES).
Por mim, aposto tudo naquela cilada a Filipe Soares Franco. Na minha visão esperançada, é ela que lança luz sobre todo o percurso de Bettencourt ao longo dos últimos sete anos. Bettencourt entrou. Bettencourt investiu. Bettencourt foi campeão. Bettencourt vendeu as estrelas. Bettencourt instaurou o “custo zero”. Bettencourt saiu. Bettecourt recusou regressar com nomes mais fortes do que o dele. Bettencourt volta, enfim, como pose de messias. Vai ser o segundo presidente remunerado da nossa história e o primeiro remunerado a sério. Por mim, perfeito: o presidente de uma SAD deve ser remunerado – e, aliás, bem remunerado (com bem mais do que os € 400 mil/ano de que se fala na imprensa de ontem). Mas, mais do que isso, será o nosso primeiro presidente produzido em laboratório. No seu próprio laboratório, aliás: sete anos de aturada e solitária determinação a construir o mito, a fundar necessidades, a afastar-se na bruma e a regressar qual Dom Sebastião. É assim que, para já, eu quero vê-lo. E, vendo-o assim, até a continuação de Paulo Bento parece de repente uma aposta tolerável. Sim, Alex Ferguson também passou uma série de anos sem ganhar no Manchester – e, sim, talvez ao fim de quatro anos Paulo Bento já tenha aprendido a relacionar-se com os jogadores criativos.
Conta-quilómetros a zero, portanto. Viva José Eduardo Bettencourt. Viva Paulo Bento. Viva o Sporting. Mas estejamos atentos. A partir daqui, e em caso de novo fracasso, o famigerado “regime” não estará apenas morto: já federá a podre.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). 22 de Maio de 2009