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26 Novembro 2010

Apaixonado pela rádio, tanto quanto escravo do computador, opto às vezes por ouvir relatos, em vez de assistir às transmissões televisivas. Bem vistas as coisas, a rádio é hoje o meio de informação que mais consumo. Escrevo sobre televisão – e, portanto, ver televisão quase sempre se confunde com trabalho. Escrevo para os jornais – e, portanto, ler jornais quase sempre se confunde com trabalho também. Com a rádio, não: é prazer puro. Ouço-a no escritório, ao longo do dia. Ouço-a no carro, quando tenho o privilégio de levantar o rabo do escritório. Ouço-a ao acordar, como despertador – ouço-a até no duche, aos berros, para grande desconforto (estou convicto) dos meus vizinhos.

E, porém, não deve haver outro meio onde o triunfalismo benfiquista se tenha instalado com tal fragor como na rádio portuguesa. Há muitos anos que aprendemos a aceitar a dualidade de tons usados para narrar um golo português ou estrangeiro: um imenso e repetido “Golo!” para os gloriosos feitos nacionais, um tristonho e burocrático “Golo!” para os miseráveis feitos estrangeiros. E, mesmo assim, é de mais, o triunfalismo que este ano tem rodeado o Benfica. Um triunfalismo que talvez até se pudesse explicar pela crise da comunicação social (e pelos benefícios que o mercado sempre contabiliza quando o maior clube português ganha), mas que entretanto atingiu o ponto da verdadeira esquizofrenia.

Ouvi todo o relato da primeira parte do Hapoel-Benfica. Pois, em 45 minutos apenas, o relator anunciou sete vezes o decurso de um enorme festival de bola, identificou nove vezes o imenso azar encarnado e denunciou seis vezes a profunda desonestidade do árbitro. Aos 46, gritou: “Livre directo para o Benfica. E dali, para Cardozo, é quase um penálti!” Deu bola na barreira, claro. Mais um azar? Naturalmente: “O Benfica quase, quase, quase a fazer o empate. Já merecia um golo. Ou mais!” Desliguei. Não há neurónio que aguente. Nem paixão pela rádio que sobreviva. Nem sequer solidariedade-na-crise que resista a um tão cabal favorecimento à equipa nacional que mais declinou da época passada para esta.

Por mim, estou mais ou menos tranquilo. Pedi no início do ano a oportunidade de encontrar o Benfica na Liga Europa, concretizada a eliminação na Liga dos Campeões – e o meu único medo é agora que nem sequer nas competições europeias em geral a equipa de Jesus se aguente. De resto, preocupa-me um bocadinho que, depois de ter dito que pretendia ganhar a Champions, o mister não tenha desde logo prometido ganhar a Liga Europa. O triunfalismo encarnado costuma ser útil aos adversários. Mas não vale a pena perdermos a esperança. Não agora, que isto está tão giro.

CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo").

Jornal de Notícias, 26 de Novembro de 2010

(imagem: © www.a-bracadaver.blogspot.com)

publicado por JN às 15:43

Não estará a confundir trunfalismo jesuita/vieirista, tão prodigo em asneiras e erros intemporais, com os adeptos mt deles prudentes tendo em conta o descalabro dos últimos 16 anos dos vermelhos?
Já agora, como é que se sente um sportinguista depois de ver escapar do seu clube André Vilas Boas para o FCP, futuro campeão, e Jorge Jesus, actual detentor do troféu?
Um abraço,
A.P.
Anónimo a 26 de Novembro de 2010 às 19:49

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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