
Disse-o logo de início – e não é para fugir ao clássico “Eu não vos disse?” que vou deixar de dizê-lo agora também. Carlos Queiroz anda há vinte anos (repito: vinte anos) a vender as duas vitórias no Campeonato do Mundo de Sub-20. Nunca mais, desde então, acertou como treinador principal, nem em clubes, nem em selecções, nem na Europa, nem em África, nem na Ásia, nem na América – e a sua contratação para o cargo de seleccionador nacional foi um erro.
Se Gilberto Madaíl, a quem devemos tanto, sentiu que se tornara “obrigatório” dar-lhe essa oportunidade, vistos os bons serviços como adjunto de Alex Ferguson, devia ter feito com ele um contrato de dois anos. A experiência correria sempre mal: Queiroz, inevitavelmente, falharia. Mas ao menos lixava-nos um ciclo apenas. Contratos de quatro anos é coisa de América do Sul, onde a Copa América é secundária e só o Mundial interessa.
O destempero do seleccionador a propósito do controlo anti-doping do dia 16 de Maio é grave – e é provável que, representando ou não justa causa para despedimento, seja razão mais do que suficiente para despedi-lo. Mas dá muito jeito a toda a gente, por esta altura, que ele tenha ocorrido, permitindo à FPF corrigir o erro histórico que foi a assinatura de um contrato de quatro anos com um notório incompetente.
Que Queiroz devia ir à sua vida, ninguém tem dúvidas. Mas que esta rescisão “amigável” agora a desenhar-se no horizonte parece oportunismo, lá isso parece. E, nesse contexto, o mais irónico é que o ónus nem sequer recai apenas sobre Gilberto Madaíl, o autor do erro original: recai também sobre Laurentino Dias, que, não estando a fazer mais do que a sua obrigação (é ele quem tutela a Autoridade Antidopagem de Portugal), deixa que passe a ideia de estar a fazer o jeito a um parceiro antigo.
Não está. Todas as responsabilidades, neste processo, continuam a pertencer a Carlos Queiroz, autor de uma gritaria de andaime absurda, e à Federação, que não só o presenteou com um contrato demasiado longo como, depois, não soube agir no momento certo. Porque, se é de coerência que falamos, e mesmo estando então a escassos dias da partida para a África do Sul, Queiroz deveria ter sido suspenso de funções no próprio dia 16 de Maio.
Haveria comoção, naturalmente. Mas, para além ser fácil arranjar um treinador para um mês de “salvação nacional” (até Mourinho, porque não?), os jogadores teriam adorado a solução – e quem sabe não seria exactamente essa comoção a lançá-los para um percurso um nadinha mais colorido do que aquele que fizeram.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 30 de Julho de 2010