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11 Junho 2010

Olho para Rúben Amorim e só me lembro de Tiuí. Havia em Tiuí qualquer coisa de estranho: um rosto demasiado convencional, uma coxa demasiado grossa, uma corrida demasiado bamboleante, um ar demasiado aprumadinho. Eu olhava para ele, aquecendo junto à linha de cabeceira, e não me ocorria outra coisa: podia perfeitamente ser um de nós, destacando-se apenas um bocadinho nos nossos solteiros-contra-casados. Não era um futebolista, basicamente – e não foi por marcar dois golos ao FC Porto que se tornou um futebolista. Uma Taça de Portugal não chega para fazer um futebolista. Era preciso um campeonato – e, mesmo assim, muito mais do que dois ou três golos.

Senti o mesmo, desde o princípio, com Rúben Amorim. Olha-se para ele em campo e rapidamente se percebe: ele podia estar em qualquer sítio, que o resultado era o mesmo. Põem-no a médio interior: não compromete. Põem-no a trinco: joga benzinho. Põem-no a lateral-direito: ninguém dá por ele, o que num defesa, mesmo lateral, é sempre pelo menos razoável. E, no entanto, também nunca se espera o que quer que seja dele. Rúben Amorim não falha um passe porque raramente arrisca um passe difícil. Não erra um corte porque normalmente controla o lance à distância. Faz um golo de vez em quando, mas porque leva com a bola – e, se saísse por uns minutos para ir urinar, tenho a certeza de que ninguém sentia a sua falta.

Substituir Nani por Rúben Amorim, e mesmo tendo em conta o reequilíbrio da equipa que tantos e tantos comentadores têm frisado ao longo dos últimos dias, é como substituir uma sequóia por uma acácia, um Maserati por um Opel Corsa, Scarlett Johansson por Winona Ryder. Um acácia também enfeita, um Opel Corsa também chega ao seu destino, Winona Ryder também tem um peito bonito. E, todavia, ninguém perde dois minutos a olhar para eles – e, se em algum momento os manda buscar para fazer as vezes, é depois de ter já concedido que nada será como dantes. E eu preferia Eliseu. Por razões sentimentais (é da minha terra, da minha ilha, da minha cidade e filho da Nené, que faz as melhores catchupas de Angra) e por razões estéticas. O futebol, com ele, é outra coisa: é uma alegria.

Rúben Amorim talvez até dê jeito. Se Fábio Coentrão for preciso na frente, passa Paulo Ferreira para a esquerda e vai ele para a direita. Se Pedro Mendes se lesionar e Pepe não estiver em condições, também não há problema: vai Rúben para o meio. E, se os três guarda-redes apanharem uma disenteria, paciência: aí está Rúben à baliza. Mas quem pode negar que esta selecção só faz sentido se não for preciso mandá-lo aquecer nunca?

ESPECIAL MUNDIAL ("Missão: Arco-Íris"). Jornal de Notícias, 11 de Junho de 2010

publicado por JN às 20:04

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joel neto

Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Publicou “O Terceiro Servo” (romance, 2000), “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas” (contos, 2002), “Al-Jazeera, Meu Amor” (crónicas, 2003), “José Mourinho, O Vencedor” (biografia, 2004), "Todos Nascemos Benfiquistas – Mas Depois Alguns Crescem" (crónicas, 2007) e "Crónica de Ouro do Futebol Português" (obra colectiva, 2008). Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil, para além de Portugal. Jornalista, tem trabalhado na imprensa escrita, na televisão e na rádio, como repórter, cronista, comentador, apresentador e autor de conteúdos. (saber mais)
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