
A mudança de André Villas Boas para Alvalade não pode ser recebida de outra forma senão com esperança. Sim, é verdade: o que está por detrás dessa esperança é ainda o fantasma de José Mourinho, génio que dificilmente alguma vez será igualado pelos seus sucedâneos. Sim, é verdade também: Villas Boas é colocado em Alvalade pelo empresário Jorge Mendes, que já lá colocara Costinha, começando por isso a ter uma influência cada vez maior na estrutura do clube. Mas não tenhamos dúvidas: se temos mesmo de ficar na mão de um empresário (e é provável que o tenhamos, vista a incompetência dos profissionais do clube no recrutamento de bons jogadores), então mais vale que estejamos na mão do melhor. Para além do que é essencial mudar por completo a filosofia que rege aquele balneário, aquele departamento de futebol, aqueles gabinetes de administração – e contratar um treinador de 32 anos, principalmente tendo em conta que o treinador será para sempre a figura mais importante de um clube de futebol (menos no FC Porto, menos no FC Porto), talvez seja de facto a melhor forma de fazê-lo.
Quanto a André Villas Boas ele próprio, pois o que conhecemos é sobretudo o seu curriculum vitae e os seus dados estatísticos. Pois, embora seja ainda bastante jovem, Villas Boas trabalhou uma série de anos com os melhores do mundo, ao lado dos quais compreendeu o que é um grande campeonato, como se lida com as vedetas e de que maneira se abordam os grandes momentos. Já na Académica, e embora a sua equipa esteja ainda (teoricamente) envolvida na luta pela manutenção, conseguiu pegar num grupo de jogadores bastante modesto e fazê-lo enfrentar qualquer adversário de peito aberto. É verdade que não obteve os mesmos resultados que Mourinho obteve na União de Leiria, mas também é preciso não esquecer que não herdou o trabalho que, em Leiria, Mourinho herdou de Manuel José. De resto, Villas Boas é um pouco truculento na comunicação, sim – mas, que diabo, também Mourinho o era (e é). E, de qualquer maneira, por esta altura, nenhum de nós tem já expectativas quanto a que alguém faça no Sporting o que o Special One fez no Porto. Recuperar alguma dignidade já não será nada mau.
Mas há mistério nisso, claro. Porque, para recuperar alguma dignidade, é preciso mudar mesmo tudo. E ainda no outro dia um amigo, de resto ex-jogador do Sporting, me dizia que são absolutamente quiméricas quaisquer exigências para que pelo menos metade do plantel seja substituído. “Estás um bocado desfasado do futebol moderno”, sublinhou. Ora, embora a minha resposta seja sempre com as palavras do próprio José Eduardo Bettencourt (“O Sporting não se adaptou aos tempos modernos”, sendo portanto o clube que está desfasado), não deixo de ficar expectante quanto a duas coisas. A primeira é se, em Alvalade, se percebe que mudar radicalmente o perfil do treinador não é ainda mudança suficiente. A segunda é se André Villas Boas, na natural ânsia de chegar depressa a um grande, percebe que, para o Sporting ser verdadeiramente um ponto de partida para uma carreira internacional, é fundamental atacar a própria visão que jogadores e ex-jogadores leoninos têm do clube. Carlos Carvalhal, por exemplo, pareceu de início percebê-lo, mas depressa se deixou atolar no imobilismo.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 2 de Abril de 2010