
Agora que ambos os principais intervenientes divulgaram a sua versão da história, já é possível perceber um pouco do que se passou com Izmailov antes do jogo com o Atlético de Madrid. Depois de meses a jogar infiltrado, o jogador avisou que as infiltrações já não funcionavam e, portanto, tinha de parar, até para proteger a transferência que planeia para o final da temporada. Costinha, acabado de chegar a Alvalade, decidiu então usar a situação para provar que é despachado. Arregaçou as mangas, meneou a anca e avisou em volta: “Era o que faltava ele não jogar. Eu sou Costinha, O Ministro!” Mas Izmailov estava mesmo em más condições, como o veio a provar a ausência dos treinos normais desde então – e, sob o risco de uma humilhação, Costinha não teve outra alternativa senão fugir para a frente, mandando o jogador para casa, de forma a emitir um sinal ainda maior da sua força.
O lado desconcertante disto é tratar-se precisamente de Izmailov, o atleta de cuja disponibilidade para abdicar do ordenado, durante a longa lesão com que se debateu no ano passado, o Sporting não se cansou de gabar-se, pretendendo com isso mostrar que estava tudo bem em Alvalade. E o problema com que se fica é simples: afinal, acreditamos no Sporting que diz que Izmailov é um profissional modelar, um homem dos antigos, um cavalheiro como já não há; ou acreditamos no Sporting que nos garante que Izmailov é um ronhas egoísta, ainda por cima disposto a deixar-nos mal quando se jogava a manutenção da única prova cujo título que ainda podíamos disputar? Pessoalmente, acredito no profissionalismo do russo. Izmailov é um homem um tanto indecifrável, sim – e, aliás, tem um empresário complicadíssimo. Mas, mesmo que nunca tenha sido Jesus Cristo, como pretendeu o marketing oficial leonino, foi sempre um bom profissional.
Pelo contrário, Costinha entra em Alvalade como entraram Sá Pinto e o próprio José Eduardo Bettencourt: como (e para usar uma velha imagem jornalística) um elefante numa loja de cristais. Fê-lo porque o pôde fazer (o Sporting é agora pouco menos do que uma anarquia) e fê-lo porque é isso que os homens impreparados fazem quando, ao darem por si perante uma tarefa muito acima das suas competências, farejam onde está a fragilidade e logo a usam em proveito próprio. O resultado é isso que aí temos: uma nova época no horizonte, a urgência de começar a prepará-la com uma competência que não revelamos há anos e, de repente, tudo nas mãos de um presidente desnorteado, de um director de futebol excitadíssimo e de um treinador (para dizer o mínimo) modesto. Está bonito, isto. Tanto quanto me parece, hoje em dia, já só resta uma coisa do Sporting: os sportinguistas propriamente ditos. E não me parece que o número esteja a crescer.
PS: a decisão do Conselho de Justiça da FPF sobre as suspensões de Hulk e Sapunaru pode ou não ser a mais correcta. É o que menos importa ao Sporting. Mas é importante registar que boa parte deste campeonato, tendo em conta igualmente as suspensões de jogadores do Sp. Braga (Vandinho à cabeça), se resolveu no túnel. E talvez seja aconselhável começarmos a trabalhar também essa componente do nosso “jogo”.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 26 de Março de 2010