Escrevo antes do Sporting-Atlético de Madrid – e, na verdade, até podia estar a escrever logo na segunda-feira, ou mesmo no sábado, altura desde a qual esta questão me corrói as entranhas. Não sou, naturalmente, indiferente aos resultados na Liga Europa, que rapidamente se tornou na nossa última expectativa de brilharete este ano. Mas a eliminação nunca deixou de ser uma questão de tempo – e, entretanto, há assuntos bem mais prementes no que diz respeito ao futuro deste clube.
Disse Carlos Carvalhal, que espera ser “recompensado” pelo trabalho realizado no Sporting, posicionando-se finalmente quanto a uma eventual renovação contratual. E eu, que fui um dos primeiros a defender a a continuidade do treinador, quero agora retirar, em definitivo, o que disse nesse dia. Porque Carvalhal efectivamente está a fazer um trabalho digno em Alvalade (ou Alcochete, ou lá o que é). Mas a forma como vê este plantel mostra claramente que a sua presença não pode, de maneira nenhuma, suplantar a sua condição original de mera contingência.
“Não tenho dúvidas nenhumas de que o Sporting tem uma base bastante sólida para lutar pelo título na próxima época, com um ou outro ajustamento”, garantiu o Carvalhal. Pois são as palavras mais graves ditas por um treinador do Sporting em vários meses – tão graves como as palavras com que Paulo Bento foi branqueando, ao longo de quase cinco anos, o miserabilismo há muito vigente na gestão do Sporting, de resto com os resultados conhecidos.
Aparentemente, Carlos Carvalhal já aprendeu que a única forma de um treinador sobreviver em Alvalade é dizer que sim a tudo, declarando que o plantel é bom, que estes jogadores chegam e que não é preciso investir. Não vai tarde nem cedo: Paulo Bento demorou mais ou menos o mesmo tempo a percebê-lo. Problema: para continuarmos às ordens de um Paulo Bento, mais valia o Paulo Bento original, que ao menos mordia os calcanhares ao(s) líder(es) da classificação. Já Carvalhal tem como única coroa de glória um 3-0 ao pior FC Porto dos últimos anos (o mesmo FC Porto, de resto, de quem já levara cinco golos num só jogo).
Repito: Paulo Bento operou pequenos milagres, conseguindo vários pequenos feitos com uma plantel que não dava mais do que aquilo. Mas levou os sportinguistas a acreditarem que o persistente desinvestimento no futebol não hipotecava as nossas hipóteses de vencer o campeonato, quando na verdade simplesmente as anulava – e isso transforma-o, inevitavelmente, no maior dos vilões à mercê de quem estivemos. Portanto, não foi Carvalhal quem nos pôs nesta situação. Acontece que Carvalhal vai precisamente pelo mesmo caminho – e, infelizmente para si próprio, tem menos talento.
O Sporting, aliás, já nem sequer precisa de um treinador: precisa de um domador. De um homem capaz de chicotear acima e capaz de chicotear abaixo ao mesmo tempo. De uma força da natureza. Dessa raríssima espécie de líder em torno do qual tudo gira. De um sacana mau como as cobras, furioso e competente, capaz de inspirar temor e paixão. De um demónio. De um semi-deus. E de alguém que perceba, claro, que estes jogadores não servem.
Há momentos em que um homem fica simplesmente cansado. Às vezes, escrever nos jornais é como esmurrar uma parede. Mas valerá mesmo a pena andar nisto há tantos anos, se este clube continua tão determinado a deixar de existir?
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 19 de Março de 2010