Não, eu não partilho da excitação de Carlos Manuel: o Sporting não jogou bem em Madrid. Teve alguns bons apontamentos, sim: conseguiu 20 minutos iniciais razoáveis, impondo à defesa adversária um recato de que ela acabou por não conseguir livrar-se; demonstrou alguma solidariedade e alguma sensatez, com toda a gente a acorrer às sobras que lhe cabia acorrer (sem, com isso, desconjuntar o colectivo); e teve, naturalmente, Liedson, o único homem que jogou de peito verdadeiramente feito no Vicente Calderón. Hoje, quando se olha para trás, em busca do que fizemos de bem e de mal ao longo destes cinco anos, a conclusão é inevitável: a melhor coisa que fizemos foi pagar a Liedson um salário tal que ninguém conseguiu vir roubá-lo. O que apenas seria um consolo, claro, se houvesse mais meia dúzia de coisas boas para mostrar.
De resto, o jogo de Madrid foi uma espécie de Belenenses-Dragões Sandinenses em dia de Taça de Portugal. Porque o Sporting não obteve um empate: simplesmente aguentou-se. Porque o Atlético efectivamente não joga quase nada, como o demonstra a pobre campanha realizada este ano na liga espanhola. E porque, se não tivessem sido os dois estapafúrdios cartões amarelos (e o cartão vermelho) vistos por Grimi, talvez não nos houvesse saído da cabeça a ideia de disputar o resultado, com gravíssimas consequências para o saldo final desta participação na Liga Europa. Balanço positivo, pois? Tudo bem: o Sporting não perdeu – e agora joga em casa. Por outro lado, esta continua a ser uma equipa demasiado pequenina para a nossa tradição: uma equipa a jogar para o lado frente a um homólogo, irmão de lágrimas e de frustração.
Portanto, se Maradona estava nas bancadas a torcer pela derrota do Sporting, enraivecido ainda pela dupla humilhação que no passado lhe impôs Ivkovic, isso não é mais do que um sinal de que apenas se lembra do “velho” Sporting, um adversário capaz de, mesmo nos miseráveis anos 80, fazer frente a campeões de Itália e do mundo. Já esta é uma equipa sem laterais, com centrais limitadíssimos, sem criatividade no meio-campo, com mais ninguém no ataque a não ser Liedson – pouco mais, no fundo, do que um Dragões Sandinenses da Liga Europa. E o mais perigoso, nestes pequenos lampejos de vida, é que logo em Alvalade alguém se lembra de que talvez estes jogadores até nem sejam tão maus quanto isso. Mas são – e, por esta altura, até Maradona já o saberá, irritado com a energia desperdiçada em torno de uma causa menor.
Resta-nos, pois, o consolo de que ainda podemos sair daqui com alguma dignidade. “O FC Porto, que é o FC Porto, não o conseguiu”, ouvi eu logo ontem à noite, da boca de um consócio. E, no entanto, o meu confrade sabe tão bem como eu que o FC Porto estava lá, entre os grandes, enquanto nós estamos cá em baixo, no meio dos fracassados – e sabe, sobretudo, que uma equipa que, estando nessa posição, celebra um empatezinho destes, é como aquela pessoa que perde o barco no qual podia dar a volta ao mundo e acaba por confortar-se a si própria com um “Bom, ao menos assim não perco o final da novela...” Não é isto que os sportinguistas querem do Sporting. Não é isso que estes cem anos de história nos impõem. A não ser, claro, que em Maio os rapazes efectivamente nos trouxessem o caneco. Mas diga lá, professor Carvalhal: nós não temos hipótese nenhuma, pois não?
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 12 de Março de 2010