Vejo um ranking internacional em que o Anderlecht aparece à frente do Manchester United e sei que chegou a altura de os benfiquistas celebrarem qualquer coisa. Ranking internacional em que o Anderlecht apareça à frente do Manchester United, suponho, é para isso mesmo: para abrir espaço a novas e inusitadas perspectivas sobre a realidade. Ou mesmo novas realidades. Realidades paralelas.
É claro que escrever o título “O Benfica É O Nono Maior Clube da Europa”, como todos os jornais deverão fazer hoje, não é uma nova e inusitada perspectiva. Há muito tempo que os benfiquistas reclamam o seu clube como o nono, o sétimo, o quinto, o terceiro, o primeiro maior clube da Europa – e há muito tempo que os jornais estimulam esse triunfalismo, convictos (talvez não sem alguma razão) de que mais vale a malta estar contente do que estar triste.
Mas escrever “O Benfica É O Nono Maior Clube da Europa” e poder, em defesa desse argumento utilizar o nome da Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS) já é uma nova e inusitada perspectiva. Bem vistas as coisas, parece quase verdade – e, se o Manchester United fica atrás do Anderlech (e de resto ambos atrás do Benfica), isso é só um pormenor.
Para a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, que aliás também me disse uma vez que o Sporting fora o maior clube do mundo durante um mês ou dois (já que se fala em realidades paralelas, isto é), o ranking dos maiores clubes da Europa define-se através da valoração das vitórias e empates nos jogos das competições Europeias, incluindo (por esta ordem de importância) a Taça/Liga dos Campeões, a Supertaça Europeia, a Taça das Feiras/UEFA, a Taça das Taças, a Taça Mitropa e a Taça Latina.
Constrangido com a presença da Taça Mitropa e da Taça Latina na lista? Então prepare-se para mais um constrangimento: ganhar uma final não conta nem mais nem menos um pontinho do que ganhar um jogo da primeira mão da respectiva taça. Uma vitória é uma vitória – eis uma espécie de novo marxismo aplicado aos domínios dos palmarés, dos rankings e dos debates de segunda-feira de manhã sobre quem tem um pénis maior (e quem tem um mais funcional).
Resultado: o Benfica foi o nono maior clube da Europa no século XX. O Anderlecht ficou à frente do Manchester United. E o Vitória de Setúbal ficou em 110º. Estão a ver todos os clubes da Europa? Todos os clubes de Espanha e de Itália e de Inglaterra e da Alemanha e da França e da Holanda e tudo o mais? Pois o Vitória de Setúbal foi o 110º entre todos eles.
Tanto quanto me diz respeito, esta Federação Internacional de História e Estatística do Futebol é mais ou menos como a nossa Entidade Reguladora da Comunicação Social: passa a vida fechada na sua torre de marfim, alheada da realidade, e depois tem de emitir uns comunicados, umas classificações e umas manifestações de preocupação óbvia para dar sinais de vida. Pois está completamente enganada – e, aliás, precisa de rever os seus critérios. Quer dizer: o Benfica até pode ter sido o nono melhor clube da Europa no século XX, mas foi seguramente um dos cinco melhores do mundo.
CRÓNICA DE FUTEBOL ("Futebol: Mesmo"). Jornal de Notícias, 11 de Setembro de 2009